quarta-feira, 14 de maio de 2008

Brasil: conta corrente não assusta

Depois de produzir saldos positivos durante cinco anos, a conta corrente do país voltou a gerar déficits e deve fechar o ano com saldo negativo bem superior à expectativa do Banco Central (BC), de US$ 12 bilhões. É possível que chegue ao dobro desse valor, o equivalente a 1,44% do PIB, e cresça um pouco mais em 2009. No passado, o Brasil entrou em crise nos momentos em que o déficit em conta corrente explodiu. A questão que se coloca agora é: dessa vez será diferente?


Beneficiado pelo boom de commodities, as exportações brasileiras cresceram, desde 2002, a taxas espetaculares, gerando elevados superávits comerciais. Depois de amargar déficits em conta corrente, em proporção do PIB, de 4,32% em 1999 e 4,19% em 2001, o país entrou no azul em 2003 (superávit de 0,76%). Em 2004, obteve o melhor resultado em muitos anos - 1,76% do PIB. Em 2007, o saldo minguou para 0,11% do PIB e, no primeiro trimestre do ano, tornou-se negativo.


Apenas entre janeiro e março, a conta corrente, que contabiliza os números da balança comercial, dos serviços (pagamento de juros, remessas de lucros etc.) e das transferências unilaterais, registrou déficit de US$ 10,7 bilhões, 89% do que o BC esperava para todo o ano. Essa rápida deterioração entrou na agenda do governo há dois meses como uma forte preocupação. Ao presidente Lula foi dito que ele corre o risco, inclusive, de entregar o país quebrado a seu sucessor em 2010. Será?


Entre o alerta feito a Lula e o momento atual, o Brasil recebeu da agênciaStandard & Poor's o grau de investimento, ou seja, o selo de qualidade que retira do país a pecha de investimento especulativo. A classificação afasta, na prática, uma incerteza de médio e longo prazo a respeito da taxa de câmbio. Por causa da nova nota, nos próximos meses e anos haverá investidores dispostos a financiar o balanço de pagamentos do país.


"Na medida em que o grau de investimento retira essa incerteza sobre o câmbio, afasta também uma incerteza sobre a taxa de juros no médio e longo prazo, tendo em vista que o BC vai ter que se preocupar apenas com a oferta e a demanda, e não vai ter aquela perseguição eterna do câmbio ameaçando a inflação. Isso favorece uma convergência rápida dos juros internos para a média mundial", sustenta Octávio de Barros, economista-chefe do Bradesco. "Mudou muito a análise que tem de ser feita sobre o comportamento da conta corrente antes e depois do grau de investimento."


Já se esperava que, com a retomada do crescimento da economia num ritmo mais forte, as importações avançariam numa velocidade superior à das exportações, diminuindo os superávits comerciais. A desvalorização do dólar frente ao real reduziu, por sua vez, os custos de capital das empresas brasileiras, na medida em que estimulou a importação de máquinas e equipamentos.



Compra de petróleo pressiona conta externa


"O agravamento do déficit em conta corrente tem sido a salvação da lavoura neste momento, na medida em que há um descompasso, muito provavelmente temporário, entre oferta e demanda no país", explica Barros. "O déficit evita pressões inflacionárias. É providencial no sentido de que permitiu que o Brasil registrasse trajetória inflacionária mais benigna do que a que se observa em outros países emergentes."


De fato, mesmo com a aceleração verificada nas últimas semanas, a inflação brasileira acumulada em 12 meses está abaixo da média dos países emergentes. O BC, que aparentemente entrou numa fase de transição ao elevar os juros para trazer a inflação de volta à meta, tinha, antes do grau de investimento, mais preocupações para administrar porque sabia que um déficit em conta corrente crescente poderia gerar, em algum momento, incertezas sobre o financiamento do país, o que levaria a uma depreciação do real, com impactos inflacionários. Diante da nova classificação, o BC se preocupa menos com esse efeito e se volta para o ajuste entre demanda e oferta.


Barros conta que monitora, "com lente de aumento", o ritmo de expansão de oferta por meio de entrevistas mensais com 1.600 indústrias. Sua conclusão é que o atual ciclo de investimento é forte e abrangente. E mais: o ritmo de maturação vem se acelerando. "Verificamos que mais de 95% dos investimentos anunciados na mídia se concretizam", revela.


Com a esperada elevação da oferta, a tendência é que as pressões inflacionárias provocadas por excesso de demanda diminuam. Um dos itens que mais têm pressionado as importações tem sido justamente o de bens de capital. Como as empresas estão investindo na ampliação da capacidade produtiva, por acreditarem no sucesso da economia adiante, esse ciclo deve permanecer forte por um tempo, mas não é algo que vá se perpetuar às taxas atuais de expansão. Será uma pressão a menos na conta corrente.


Um dado interessante é que o saldo comercial da balança de petróleo e derivados, nos 12 meses terminados em abril, está deficitário em US$ 9,3 bilhões. Trata-se de um número expressivo. Um dos fatores que têm contribuído para essa situação é a importação de óleo combustível utilizado em usinas térmicas para geração de energia elétrica. Quando se retiram da balança a importação e a exportação de petróleo e derivados, a conta corrente fica ligeiramente superavitária. "Olhando para os próximos anos, tira o sono a conta-petróleo? Muito pelo contrário. O Brasil tende a ser um país altamente superavitário num futuro não muito distante nessa área. Então, esse componente negativo da conta corrente tende a desaparecer", prevê Barros.


O economista acredita que o Brasil pode conviver tranqüilamente com um déficit em conta corrente em torno de até 2% do PIB, embora ele acredite que mesmo um valor superior a esse será financiado. "O que parece muito plausível é que, com o grau de investimento, o Brasil voltou para o radar dos investidores de todo tipo. Considerando que é um país percebido hoje como celeiro do mundo, grande exportador de commodities, com reservas de petróleo, é ingênuo imaginar que o investimento direto não financiar a conta corrente", afirma. "Vai financiar e possivelmente com alguma folga."

Cristiano Romero é repórter especial e escreve às quartas-feiras. 


Fonte: Valor Econômico

2 comentários:

Camila disse...

"o selo de qualidade que retira do país a pecha de investimento especulativo" - será? Será que a atual política cambial de deixar o real se valorizar e elevar os juros não pode acabar anulando os efeitos da conquista do grau de investimento?

Unknown disse...

Repórter especialmente convidado.