terça-feira, 6 de maio de 2008

O risco da calmaria

Depois da crise financeira que trouxe a Grande Depressão, os reformadores do New Deal regulamentaram o sistema bancário, com o objetivo de proteger a economia. Com o tempo, porém, Wall Street contornou a regulamentação, usando complexos arranjos financeiros para colocar a maior parte dos negócios bancários fora do alcance dos reguladores.

Paul Krugman

Cruze os dedos, bata na madeira: é possível, mas de modo algum garantido, que o pior da crise financeira tenha passado. Essa é a boa notícia.

A má notícia é que enquanto os mercados se estabilizam as oportunidades para reformas financeiras fundamentais podem estar escapando. Em conseqüência, a próxima crise provavelmente será pior do que esta.

Vamos examinar a história até agora.

Depois da crise financeira que trouxe a Grande Depressão, os reformadores do New Deal regulamentaram o sistema bancário, com o objetivo de proteger a economia de futuras crises. O novo sistema funcionou bem por meio século.

Com o tempo, porém, Wall Street contornou a regulamentação, usando complexos arranjos financeiros para colocar a maior parte dos negócios bancários fora do alcance dos reguladores. Washington poderia ter revisado as regras para abranger esse novo "sistema bancário à sombra" -mas isso teria ido contra a ideologia adoradora do mercado destes tempos.

Em vez disso, importantes autoridades, de Alan Greenspan para baixo, cantaram elogios à inovação financeira e desprezaram as advertências sobre os riscos crescentes.

Então veio a crise. Em agosto passado, enquanto os investidores começavam a perceber o alcance da confusão das hipotecas, a confiança no sistema financeiro desmoronou.

Acredito que tivemos sorte por ter Ben Bernanke na presidência do Federal Reserve nestes tempos difíceis. Ele pode não ter o talento de Greenspan para personificar o Mágico de Oz, mas é um economista que pensou muito sobre a Grande Depressão e sobre a década perdida do Japão nos anos 1990, e entende o que está em jogo.

Bernanke reconheceu, talvez mais rapidamente do que outros teriam reconhecido, que estávamos em uma situação que tinha uma semelhança familiar com a grande crise bancária dos anos 1930-31. Sua primeira prioridade, superando qualquer outra preocupação, era evitar uma cascata de falências financeiras que paralisariam a economia.

Os esforços do Fed nos últimos nove meses me lembram a antiga série de TV "MacGyver", cujo herói engenhoso sempre saía das situações difíceis montando dispositivos inteligentes com objetos caseiros e fita adesiva.

Como as instituições em dificuldades não se chamavam bancos, as ferramentas habituais do Fed para lidar com problemas financeiros, criadas para um sistema centrado em bancos tradicionais, eram de modo geral inúteis. Por isso o Federal armou arranjos improvisados para salvar o dia. Houve o TAF e o TSLF (não me perguntem), houve linhas de crédito para bancos de investimento e tudo culminou no resgate inédito e quase ilegal da Bear Stearns em março -um resgate não da Bear em si, mas de suas "contrapartes", os que estavam do outro lado de suas apostas financeiras.

Ainda está longe de garantido se toda essa improvisação resolveu a crise. Mas foi a coisa certa a fazer, e por enquanto as coisas parecem estar se acalmando.

Então, dois vivas para Bernanke. Infelizmente, seu próprio sucesso -se é que houve- coloca outro problema: dá à indústria financeira a oportunidade de bloquear as reformas.

Agora sabemos que as coisas que não se chamam bancos podem de qualquer modo gerar crises bancárias, e que o Fed precisa executar resgates do tipo bancário em prol delas. Segue-se que os fundos hedge, os veículos de investimento especiais, etc. precisam de regulamentação do tipo bancário. Principalmente, eles precisam ser obrigados a ter o capital adequado.

Se nosso sistema financeiro descontrolado foi ruim para o país, porém, foi muito bom para os especuladores, que ganham taxas enormes quando as coisas parecem ir bem e depois saem andando ilesos -na verdade, muitas vezes com grandes pacotes de demissão- quando as coisas dão errado. Eles não querem regulamentos que estabilizariam a economia mas prejudicariam seu estilo.

E agora que as nuvens financeiras se ergueram um pouco o movimento contra uma regulamentação sensata está em plena ação. Até a proposta muito modesta do Fed de conter os empréstimos de hipotecas abusivos com novos padrões está sendo alvo de críticas e há sinais preocupantes de que o Fed poderá recuar.

Talvez uma vitória democrata em novembro possa reavivar a causa da reforma financeira, mas neste momento parece que logo voltaremos a tudo como era antes.

O paralelo que me preocupa é o que aconteceu uma década atrás, depois que o fundo hedge Long-Term Capital Management faliu, causando um congelamento temporário de todo o sistema financeiro.

Com sorte e capacidade essa crise foi contida -mas em vez de servir como advertência o episódio alimentou a falsa crença de que o Fed tem todas as ferramentas necessárias para lidar com choques financeiros. Então nada se fez para remediar as vulnerabilidades que a crise do LCTM revelou -as mesmas que estão no centro da crise muito maior de hoje.

E se não consertarmos o sistema agora há todos os motivos para se acreditar que a próxima crise será ainda maior -e que o Fed não terá fita adesiva suficiente para juntar as coisas.

Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

Paul Krugman, The New York Times

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