quinta-feira, 19 de junho de 2008

Conselhos a um jovem jornalista

Em palestra a estudantes, o ex-professor Bernardo Kucinski falou dos desafios do jornalismo no país.


Por Bruno Benevides (nº USP: 5903969)


O ex-professor da Universidade de São Paulo (USP) Bernardo Kucinski destacou a importância da honestidade no jornalismo e mostrou as dificuldades para um profissional defender suas idéias. Em palestra intitulada “Jornalismo em sistemas autoritários”, dada para alunos do curso de jornalismo da USP, ele destacou que no Brasil um repórter costuma receber pressão de diferentes grupos, mas que a tarefa dele é divulgar as informações.
Para Kucinski o que caracteriza o Brasil como um sistema autoritário é a nossa economia dependente do exterior, uma vez que os centros de decisão das empresas não estão aqui. Ele diz ainda que o país serve como “terreiro de engorda do capital estrangeiro”, de modo que investidores internacionais ganham dinheiro e depois vão embora, sem deixar qualquer legado.
Esta estrutura, ainda segundo ele, traz dificuldades ao jornalista, principalmente o de economia, pois o capital financeiro acaba exercendo grande pressão para que a mídia não trate de assuntos potencialmente desagradáveis para os investidores. Isto geraria um conflito, pois a tarefa do repórter é revelar informações, ao mesmo tempo que é pressionado para escondê-las. Para Kucinski muitos profissionais acabam fazendo uma “auto-censura”, o que significa que ter cuidados excessivos ao fazer as matérias, segurando informações que poderiam causar problemas para algumas pessoas ou grupos.
O resultado de tudo isso acaba refletido na grande imprensa, defende Kucinski. Ela estaria repetitiva e autoritária, desrespeitando os leitores. Ele acusa esta, também, de fazer uma “ficção sobre o real”, de tratar apenas da elite, dela mesma e esquecer o mundo real. Para ele a função do jornalista deveria ser persuadir a população para o debate, municiando-a com informações.
Kucinski, que já trabalhou em veículos como Veja e The Guardian e se aposentou da USP no ano passado, criticou ainda a falta de uma teoria jornalística nacional. O jornalismo brasileiro se basearia em teses estrangeiras que são inadequadas à nossa realidade. Isso porque essas teses vêm de países que não são dependentes, o que muda completamente a estrutura social e de poder. “(Os veículos de comunicação) não querem você por suas idéias, querem você para fazer uma tarefa”, diz ele, completando que “quem tem as idéias é o editor, o dono”. Em outros países não dependentes, como os EUA e as potências européias, o jornalista seria contratado exatamente a partir de suas idéias e convicções. Apesar de todas as críticas que fez, Kucinski vê algumas saídas no jornalismo. O mais importante é “não ficar obcecado pela grande imprensa”, tentando assim achar seu espaço. Para ele o florescimento de outras modalidades, como a Internet e as revistas de nichos específicos, é um bom caminho. Destaca ainda que é importante ser correto e ético tanto com as fontes quanto com os leitores, finalizando que o jornalista deve “tanto se maravilhar quanto se indignar com o que vê”.

Ex- professor da ECA dá palestra a estudantes

Fernanda Braite
número usp: 5902947

Bernardo Kucinski critica a grande mídia e dá conselhos sobre a profissão do jornalista

Nessa última quinta-feira, dia 12 de Junho, Bernardo Kucinski, jornalista e ex-professor da USP, ministrou uma palestra aos estudantes de jornalismo da ECA. O tema partiu de economia e seguiu analisando a profissão do jornalista, com conselhos e dicas aos futuros profissionais. Kucinski começou sua palestra destacando a desigualdade social em que vivemos e como isso influencia no jornalismo. “Se vocês trabalham nos jornalões,” disse o professor, “ (...) estão escrevendo em um jornal que fala do próprio umbigo. Estão falando de uma elite para uma elite, não tem nada a ver com o povo”. Isso influencia não apenas o foco e os temas a serem tratados nos jornais mas também o que não deve ser falado. “Nesses últimos 10 anos, há um domínio muito notável e impressionante do capital financeiro sobre o jornalismo econômico. Ele praticamente pauta os jornais.”, diz Kucinski, e como exemplo disso citou o atual retorno na inflação.

Embora seja normal sempre haver uma inflação de fundo, atualmente ela vem subindo e atingindo outras faixas. Apesar de todos os jornalistas entenderem muito bem a situação, estão omitindo deliberadamente o fato da atual crise de preços ser resultado de uma inflação de custo, e não de demanda. “Essa distinção é importante porque elas exigem remédios totalmente diferentes.”, frisa Kucinski. Uma inflação de custo se dá quando o preço sobe devido a um aumento no custo de produção. Isso representa um confisco de dinheiro público, pois não podemos deixar de consumir certos produtos, e acabamos pagando mais, mesmo com o preço elevado. Nesse caso, não se deve tomar medidas de confisco, pois a situação em si já derruba a demanda e já acarreta em menos dinheiro para a população gastar em outros bens. Já uma inflação de demanda se dá quando as pessoas estão comprando demais e não há oferta suficiente. Aí sim, é necessário impor um imposto, diminuir salários ou aumentar as taxas de juros para que as pessoas tenham de pagar mais pelos bens e, conseqüentemente, diminuir a demanda. É uma solução completamente oposta da necessária para uma inflação de custo.

Isso porém, não é mencionado nos jornais e não está em discussão. O motivo é o interesse dos bancos em aproveitar a inflação para elevar as taxas, mantendo a ignorância da população sobre o fato de que essa inflação de custo não se revolve com o aumento de juros. “Os juros iam caindo, (...) as pessoas estavam indo para a poupança. Então eles aproveitaram a crise para retomar o estado de juros absurdamente altos.” Por conta disso, nenhum jornal publica nem discute o tipo de crise e inflação que estamos passando. Essa podagem do que se pode ou não escrever, porém, depende do veículo onde se trabalha. Segundo o palestrante, vivemos uma contradição no jornalismo: enquanto os grandes jornais estão cada vez mais autoritários e jornalistas são demitidos por não quererem seguir as rédeas da empresa, está havendo um grande crescimento de outras modalidades de imprensa escrita e novos mercados para se escrever. “É muito importante não ficar obcecado (para trabalhar) na grande imprensa”, sugere Kucinski. E aconselha que o ideal é começar por veículos que são menos usados na luta ideológica, onde há mais liberdade para se desenvolver como jornalista, para “só depois enfrentar a barra pesada na telinha da Globo, na Folha, na Veja, e nesses lugares que são realmente massacrantes”.

Para Bernardo Kucinski, o bom jornalista é aquele que se aprofunda o máximo nos assuntos que vai tratar e é honesto com a fonte e com o leitor. Além disso, é bom procurar pertencer a grupos de influência e evitar criticar colegas de profissão. O professor também elogiou a profissão e definiu o profissional do jornalismo com paixão: “O jornalista tem que ter a dupla capacidade de se maravilhar e se indignar com as coisas”.

Namorando o jornalismo, por Kucinski

Vandson Lima

Em palestra para alunos de jornalismo da USP, professor Bernardo Kucinski demonstra bom humor, simplicidade e indica rumos para os jovens que escolheram a profissão.


12 de junho, quinta-feira, dia do namorados. Talvez não parecesse o dia mais indicado para uma palestra de economia, quando muitos estavam por demais preocupados nos presentes dados e recebidos – e aqueles que não tinham a quem dar ou de quem receber presentes por demais preocupados em demonstrar que nem ligavam para isso.

Mas Bernardo Kucinski, sorriso aberto a todos que entravam na sala onde começaria sua palestra - mesmo aos atrasados - , ministrou a disciplina de “Jornalismo Econômico” nessa mesma universidade, com as mesmas portas amarelas e barulhentas, durante 11 anos, e agora voltava, para um “bate-papo”, segundo o próprio.

Seu discurso, ao mesmo tempo realista e apaixonado sobre essa profissão, por vezes tão controversa, ganhou os presentes logo de início, ao elucidar de forma clara o funcionamento da maioria das grandes redações do país, onde “querem pessoas que cumpram tarefas, não que tenham personalidade. Há um processo de domesticação que só permite que se assine a matéria depois de passar por essa ‘lavagem cerebral’. Por isso, aconselho os jovens a começarem por veículos menores, que lhes dêem a possibilidade de uma escrita mais livre, assim desenvolvendo um estilo próprio, e ganhando respeito”.

Ter a dupla capacidade de se maravilhar e se indignar com as coisas. Para Kucinski, optar pelo jornalismo não é apenas escolher uma carreira, mas se oferecer a uma causa, pois “ninguém precisa ser jornalista, só por ser. Se for pra escamotear a verdade, não seja”.

Sua afirmação vem de encontro às angústias de muitos iniciantes, ávidos por fazer de sua profissão um meio de promover a justiça social, mas que, ao ingressarem nos grandes veículos, encontram um cenário onde o exercício crítico é desestimulado, e a escalada na carreira se dá muito mais por uma maleabilidade, onde quem ‘abraça’ as posições da empresa, muitas vezes delineadas por interesses escusos, é promovido. “Há uma promiscuidade, uma defesa nos interesses próprios que não condiz com o exercício do jornalismo. Os ‘cães de guarda’ defendem o sistema; não se fala do que não é do interesse dos parceiros e, por isso, no noticiário econômico, imperam as entrevistas ligadas ao setor financeiro; não se conta tudo o que se sabe; usa-se uma linguagem truncada, feita para iniciados, muitas vezes escondendo o simples fato de que o jornalista não entendeu o que está dizendo”.

Por fim, Bernardo Kucinski, apesar de todos os percalços, se mostra otimista com o futuro, em especial com o advento das novas tecnologias, que baratearam os custos de produção dos veículos, revigorando a existência de uma imprensa alternativa. Maior liberdade demanda maiores responsabilidades, e é necessário ter ciência disso: “Ser correto com as fontes e com os leitores e evitar a ‘ética da malandragem’ geram credibilidade. Se você omite uma informação, é diretamente responsável pelas conseqüências de uma possível tragédia. É preciso assumir o que se escreve”.

Kucinski mostra a trilha para um bom jornalismo

Por: Renato Santino
nºUSP: 5902972



Na opinião de Bernardo Kucinski, as perspectivas atuais do jornalismo brasileiro são bastante preocupantes. Aposentado desde o fim de 2007, o ex-docente responsável pelas aulas de Jornalismo Econômico na Escola de Comunicações e Artes, da Universidade de São Paulo, originalmente graduado em Física, mas doutorado em Ciências da Comunicação, trabalhou em grandes veículos de comunicação brasileiros e estrangeiros e chegou ao posto de assessor de comunicação do presidente Luís Inácio Lula da Silva. Em palestra ministrada aos estudantes de sua antiga disciplina, o ex-professor pôde debater sobre os rumos do jornalismo e apresentou um panorama crítico sobre o exercício da função nos dias atuais.

Durante a palestra, ministrada na última quinta-feira, dia 12 de junho, o conferencista criticou duramente a ausência de uma teoria do jornalismo autenticamente brasileira. Desta forma, o modelo jornalístico brasileiro acaba fatalmente atrelado aos manuais norte-americanos e europeus, o que acaba por descaracterizar o jornalista do nosso país, o qual é limitado por teorias que não se adequam à nossa realidade.

O autor do livro Jornalismo Econômico, publicado em 1996 pela Edusp, ainda comenta um problema recorrente quando se trata desta vertente do jornalismo que é abordado no livro supracitado, que é o do “economês”, linguagem formada por jargões, sobre os quais Kucinski afirma que são “uma maneira de esconder sua própria ignorância”. Ininteligível pela maioria da população, este rebuscamento acaba por afastar o leitor comum, que perde o interesse em um conteúdo importante para análise da situação de um país. Desta forma, o jornalismo econômico, feito pela elite, define um público-alvo: a própria elite.

Kucinski ainda explica a relação entre o byline (assinatura do autor da matéria) e a perpetuação dos padrões elitistas do jornalismo econômico. Para ele, há um grande esforço para se conseguir o byline, mas para alcançá-lo, é necessário seguir as regras dos grandes jornais. Como os "jornalões" possuem visões de mundo próximas, o jornalista se vê encurralado: ou segue as regras e consegue divulgar seu nome, ou as confronta e corre o risco de ver um triste "Da Redação" assinando sua matéria. Como alternativa a essa "sinuca de bico", Kucinski propõe que o jornalista inicie sua carreira na mídia alternativa, onde não haja a possibilidade de assinar seus textos.

Bernardo Kucinski ainda deu algumas dicas para os jovens jornalistas para que possam seguir uma carreira de sucesso. Para ele, o bom jornalista deve ser íntegro e, acima de tudo, deve respeitar sua fonte e seu leitor. Devido à escassez crescente destes valores no atual panorama do jornalismo, torna-se comum o receio da fonte conceder uma entrevista a qualquer jornalista, pois não há garantias do que ele fará com as informações que lhes serão passadas, visto que o mau uso dessas informações é bastante comum. Uma vez que se possui a confiança da fonte, o jornalista pode se aprofundar cada vez mais no assunto, o que não seria possível sem essa confiança.

Outra dica importante dada pelo jornalista aos seus futuros colegas de profissão foi a de “jamais criticar o trabalho de um colega”. Kucinski relata a importância das “panelinhas” para uma carreira bem sucedida. Para tal, o bom relacionamento com todos os seus companheiros de trabalho é importante, mas é ainda mais importante estreitar os laços com algum grupo no qual o jornalista possa confiar e usar como apoio.

Jornalismo econômico é propaganda ideológica?

Camila Souza Ramos

Nº USP 59003354



A cobertura jornalística brasileira sobre a atual volta da inflação é uma mostra clara da função ideológica que o jornalismo econômico cumpre em nosso país. Segundo o jornalista Bernardo Kucinski, que lecionou aulas de Jornalismo Econômico na Escola de Comunicações e Artes (ECA) até o ano passado, estão sendo escamoteadas informações cruciais sobre esta crise.

“Uma inflação pode ser de custos ou de demanda”, explica Kucinski durante palestra na ECA. A atual inflação, segundo ele, é de custos, porque o que está condicionando a alta dos preços é o aumento do custo das matérias-primas. “Isso representa um confisco do dinheiro do povo”, afirma o ex-professor. “Logo, não se pode tomar outras medidas de confisco, porque esta inflação já está contendo a demanda”, acrescenta. A lógica, portanto, de defender a elevação dos juros como forma de conter a inflação é um remédio para outro tipo de inflação, a de alta de demanda, mas não para esta. Segundo Kucinski, há dois tipos de inflação, com dois tipos de remédio totalmente diferentes. “Mas não se discute isso no jornalismo”, pontua o jornalista.

Para ele, esta omissão na cobertura é intencional e serve aos interesses dos bancos. O grande problema, segundo Kucinski, é a forma como é produzida a notícia da área econômica. “Há uma promiscuidade grande entre jornalistas e fontes, que geralmente são apenas pessoas ligadas a consultorias financeiras ou ex-presidentes do Banco Central”. Tendo em mãos sempre as mesmas fontes, a produção de conteúdo torna-se viciada e análises mais profundas sobre o vai-e-vem da economia são dificultadas.

Byline e dependência

A univocidade do jornalismo econômico praticado no Brasil tem também outras causas. Segundo o ex-professor, nesta área “luta-se muito para conseguir o byline”, que é o direito do jornalista de assinar sua matéria. Para conseguir o byline, afirma Kucinski, “o jornalista deve se alinhar ao jornal”. E, uma vez que os grandes jornais têm o mesmo alinhamento político, o jornalista se vê se opção para atuar fora da voz dominante.

Para manter-se no mercado de trabalho, hoje altamente competitivo, o profissional não apenas submete-se a constantes interferências dos editores nas matérias produzidas, como acaba incorporando os mecanismos de censura de seus chefes no próprio ato de apurar e escrever sua matéria. “O jornalista não conta tudo o que sabe. A censura está introjetada e faz parte do ethos dele”, lamenta o ex-professor.

“Esta característica é típica de sistemas autoritários”, afirma o jornalista. Em sua visão, o jornalismo brasileiro opera com uma ideologia importada, a do neoliberalismo, assim como foi o modelo de democracia que seguimos. Segundo Kucinski, esta postura é adotada por todas as redações porque “há um domínio do capital financeiro sobre o jornalismo econômico”. Ele ainda ressalta o peso que o capital externo exerce sobre a economia, e, desta forma, também sobre o que é veiculado sobre ela. “Somos uma espécie de ‘terreno de engorda’ do capital estrangeiro (...), o que torna a economia mais dependente ainda”.

Otimismo

Sua visão sobre o futuro, no entanto, não é tão pessimista. “Está havendo um notável florescimento de outras imprensas escritas”, diz Kucinski, “e me parece que há um revigoramento da imprensa alternativa”. Para ele, somente fora das grandes redações é possível o jornalista desenvolver um trabalho mais livre, sem se prender às mesmas fontes ou limitar a informação a ser veiculada. Ele diz acreditar que a internet possa ser um espaço mais democrático e uma possibilidade de “mostrar que sua voz ainda é diferente”.

quarta-feira, 18 de junho de 2008

“Jornalismo: profissão especial, cativante”

Por: Patricia Golini
nºUSP: 5970051


Na última quinta-feira, dia 12 de junho de 2008, o jornalista e professor Bernardo Kucinsky conversou com os estudantes da disciplina Fundamentos de Economia, na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo. Durante esse bate-papo, como ele mesmo denominou sua palestra, Kucinsky abordou não apenas a economia mundial – foco do curso, mas também a cobertura jornalística feita pelos grandes veículos, a mídia alternativa e ainda, deu dicas aos estudantes de como proceder perante um mercado de trabalho tão competitivo

O professor iniciou sua palestra falando brevemente sobre o momento vivido pela economia mundial. Segundo Kucinsky, a economia dependente é a grande vilã dos países em desenvolvimento. Aqui “o capital chega pequeno, é engordado, como um bezerro”, depois que os investidores já conseguiram o sucesso financeiro almejado, eles retiram os investimentos do país. A economia dos países mais pobres, dessa forma, é prejudicada, pois dificilmente, alcança um momento de estabilidade.

Kucinsky, autor do livro Jornalismo Econômico, comentou que os jornalistas desta área não escrevem para o povo. Os jornais especializados se isolam em uma linguagem demasiadamente abstrata para grande parte da população. Assim, os profissionais do jornalismo econômico parecem esquecer a importância que essa área tem na vida das pessoas. Ela é tão importante quanto os outros assuntos abordados nos veículos de comunicação, porém permanece inatingível em seus jargões, caracterizando-se como algo que beira a simples ideologia dos veículos de comunicação não tendo o povo como principal alvo das publicações.

Ao ser questionado sobre o possível fim de algumas mídias, como o jornal impresso, Bernardo Kucinsky afirmou que essa é “uma previsão muito arriscada, impossível de ser feita”. É fato que diante do avanço das tecnologias, os jornalistas tenham perdido a exclusividade do direito de falar ao grande público, milhares de pessoas manifestam suas opiniões em blogs. Dessa forma, o mercado e o próprio povo exigem que os meios de comunicação se modifiquem para melhor suprir as necessidades da sociedade.

Bernardo Kucinsky, ao fazer uma breve análise sobre o jornalismo atual, afirmou que no Brasil, alguns profissionais detêm informações de extrema relevância, porém, eles não as publicam, pois temem punição por parte dos veículos em que trabalham ou complicações diante de possíveis processos. Contudo, em países como os Estados Unidos, onde a imprensa é mais liberal e madura, essas informações são reveladas de forma aberta, tal que há o compromisso com a busca da verdade.

Ainda completou o tema dizendo que as empresas de comunicação estabelecem com os jornalistas uma “relação predatória”, na qual o jornalista é usado durante o tempo que convier à empresa. Os veículos de comunicação não valorizam necessariamente as opiniões do profissional, mas sim, a capacidade de disseminar a informação de forma clara, sem manifestar suas idéias ou impor suas ideologias aos leitores.

Ao dar conselhos aos jovens estudantes de jornalismo, o professor disse que “os grandes veículos impressos tiram a autoria do jornalista”. Assim, muitos profissionais só alcançam o reconhecimento dos jornais com anos de experiência no mercado de trabalho, e tantas vezes passam a assinar suas matérias após anos de prestação de serviços a determinadas empresas. Mesmo assim, os jornalistas devem usar o “trabalho para aprender”, dedicando-se ao máximo a cada assunto, tornando-se, a partir daí, um especialista a cada texto escrito, pois “jornalismo é uma profissão especial, cativante” que exige muito de cada um nós.

Kucinski passa experiência a novos jornalistas


O jornalista e ex-professor da USP fala sobre as perspectivas para a atuação de futuros colegas de profissão

Por Bruna Escaleira (Nº USP: 5903778)

“No jornalismo, você nunca é responsável por dizer a verdade, mas é responsável por suas omissões, pois sua função é revelar”, aponta Bernardo Kucinski a estudantes de jornalismo da Universidade de São Paulo. Aposentado ao final de 2007, após ministrar a disciplina “Jornalismo Econômico” desde 1996, o profissional voltou à sala de aula, na noite da última quinta-feira (12), como conferencista convidado.

Sua experiência em meios de comunicação nacionais (como Veja, Gazeta Mercantil e os jornais alternativos Opinião, Movimento e Em Tempo) e estrangeiros (como o jornal The Guardian e a rede de televisão BBC), além de sua participação em publicações alternativas atuais (como a revista eletrônica Carta Maior), lhe permite propor perspectivas para o futuro. Para o ex-professor, o novo profissional da comunicação deve estar atento às possibilidades de atuação na “imprensa alternativa”, uma vez que os grandes jornais “estão cada vez mais autoritários”, com estruturas hierárquicas mais rígidas.

Kucinski aconselha os estudantes a “não se afligirem por começar (carreira) em grandes jornais; começar onde se tem mais liberdade” e possibilidade de assinar matérias, “o que também cria mais responsabilidade”. Para ele, um dos campos atualmente mais abertos ao desenvolvimento de jornalistas é o trabalho com Organizações Não Governamentais.

No entanto, independente da área de atuação, o jornalista deve sempre “ser correto com as fontes e os leitores”, pois isso cria “a longo prazo, uma credibilidade que o destaca”. Kucinski defende que “qualidade e uso ético” da informação são indispensáveis no atual cenário de perda do “monopólio da informação” pelos jornalistas, devido à disseminação de novas tecnologias.

O autor de “Jornalismo na era virtual - ensaios sobre o colapso da razão ética” (São Paulo: Fundação Perseu Abramo; UNESP, 2005), ressaltou que a Internet é “uma mídia revolucionária e libertária, que gera grande interlocução com os leitores”, pois estes podem expor seus comentários com mais facilidade do que na mídia impressa. Isto também é importante para o jornalista, que recebe respostas mais imediatas, diretamente do público.

Sobre o jornalismo econômico, destacado pelos estudantes como nicho no qual enfrentam maiores dificuldades, sobretudo, em relação à linguagem, Kucinski comenta: “boa parte do jargão (usado no jornalismo de economia) é uma maneira de (o jornalista) esconder sua própria ignorância”. “A linguagem simples é vista como vulgar, mas não é necessariamente assim; é preciso explicar novos conceitos”, até que se tornem familiares para o público, expôs.

“Muitos de nós só começamos a entender, de verdade, as matérias de economia quando passamos pelo curso (de jornalismo econômico), quando nos foram introduzidos alguns conceitos; mas como passar isso para os leitores ‘não iniciados’?”, questionaram alguns alunos presentes.

“O ponto de partida para escrever de forma inteligível e acessível é entender o processo” econômico do qual se está tratando, continuou Kucinski, que critica o jornalismo “tangencial” ou superficial. Segundo ele, o jornalista precisa aproveitar a oportunidade de “mergulhar no tema de cada matéria”, o que sempre enriqueceu e enriquecerá o trabalho do comunicador social em qualquer época.

Uma visão realista da profissão para futuros jornalistas

Por Renato Rostás (nº USP 5903191)

Para Bernardo Kucinski, o jornalismo brasileiro e seu profissional encontram-se em uma crise. Ex-professor da Escola de Comunicações e Artes da USP, hoje aposentado, Kucinski possui graduação em Física, mas ministrava aulas de Jornalismo Econômico. Trabalhou na área tanto no exterior quanto em publicações nacionais e chegou até a ser assessor de comunicação do presidente Lula. Em palestra para os alunos de 3° semestre de Jornalismo da ECA, o jornalista procurou expor os pontos sobre a carreira que atualmente o deixam descontente e o que afeta negativamente a vertente econômica do jornalismo.

Durante a palestra, realizada na última quinta-feira, 12, Bernardo Kucinski enfatizou a falta de uma teoria do jornalismo própria do nosso país. Segundo ele, nos contentamos em importar teorias dos manuais jornalísticos da Europa ou dos Estados Unidos. Assim, jornalistas são feitos reféns das posições tomadas sobre a profissão no exterior e, o que é pior, não é estabelecido um padrão de comportamento.

Apesar de criticar essa situação, Kucinski elogia algumas atitudes que os profissionais do jornalismo tomam no exterior e que, segundo ele, seria bom se copiássemos essas posições em determinadas situações. Por exemplo, o jornalista costuma ter o compromisso com a verdade nos EUA, quão dura ela possa ser. Enquanto no Brasil algumas informações mais "picantes" – segundo o próprio Kucinski – acabam sendo deixadas de fora, elas só engrandecem o furo para os norte-americanos, que muitas vezes procuram esses detalhes mais comprometedores. Para piorar a situação, o que acaba determinando se a informação é comprometedora o suficiente ou não é a própria moral do jornalista que a apurou, o que, obviamente, varia muito de acordo com a vivência de cada um. Portanto, essa auto-censura baseada em fatores muito subjetivos acaba prejudicando o jornalismo no Brasil.

Ao mesmo tempo que falou sobre a falta de uma teoria brasileira própria do jornalismo, Kucinski deu um enfoque grande na palestra para o autoritarismo presente atualmente nas redações. Isso é representado de várias maneiras, seja na insistência dos editores em vasculhar os textos jornalísticos a fim de canetá-los – uma matéria perfeita seria impossível –, seja no fato de os chefes exigirem uma posição favorável de seus empregados para que consigam algum destaque na redação. Para ele, o grupo seleto dos que têm voz ativa nos jornais a conquistou sendo condescendente com o sistema; você é premiado quando escreve o que o sistema quer, da mesma foram que é punido quando escreve algo que o desagrade.

Falando especificamente sobre o jornalismo econômico, sua especialidade, o professor elencou os principais defeitos da área. Um, já citado em seu livro Jornalismo econômico (publicado originalmente em 1996, pela Edusp, com última revisão em 2007), é o da linguagem rebuscada que a seção de economia dos jornais costumam usar. Os jargões e a quantidade de números empregados mostram que os autores das matérias escrevem para um leitor já entendido do assunto, não admitindo aquele que está por fora do mundo econômico. Nas palavras de Kucinski, “os jornalões praticam um jornalismo fechado”, ou seja, é a elite escrevendo para a elite.

Por fim, o jornalista condenou, ainda, o fato de hoje o jornalismo econômico como um todo, nos grandes jornais, ser pautado pelo capital financeiro. Ele afirma haver uma grande promiscuidade entre os profissionais do jornalismo e do mercado financeiro, acarretando em uma cobertura passiva e condescendente com as medidas governamentais que favorecem o mercado. Essas medidas que favorecem o mercado e a passividade da grande imprensa – Kucinski usou o termo “jornalões – fazem com que o Brasil torne-se um “terreno de engorda do capital financeiro”, segundo o professor, um local intermediário em que os investimentos sejam feitos em curto prazo e contem com lucro certo.

O jornalismo na visão de Bernardo Kucinsky

Por Priscilla Sobral (N° USP - 5903830)
No dia 12 de Junho o professor Bernardo Kucinsky ministrou palestra para os alunos do segundo ano de jornalismo da ECA - USP. Na palestra, que fez parte do cronograma das aulas da matéria Fundamentos da Economia, ministrada pelo Prof. Cláudio Cerri, Kucinsky contou um pouco de sua experiência no jornalismo brasileiro e estrangeiro e abordou temas como a teoria do jornalismo, a economia brasileira e conseqüentemente o jornalismo econômico feito no Brasil, além de dar alguns conselhos aos jovens estudantes.
Inicialmente Kucinsky versou sobre as teorias do jornalismo, afirmando que o Brasil as importa e por isso elas não se adaptam a realidade brasileira. A teoria ideal para os jornalismo nacional seria, na opinião do palestrante, a de um jornalismo em sistemas autoritários. Atreladas a tal sistema surgem conseqüências como a ética defensiva, termo para designar o cuidado que o jornalista tem que ter com seus arquivos e fontes, arquivando-os sempre, com o objetivo de manter referências do que publicou.
O jornalismo econômico foi um ponto de destaque na conferência. Kucinsky apontou a importante diferença entre a inflação de custos, que o país enfrenta atualmente, e a inflação de demanda, salientando que tal divergência não é questionada pelos jornalistas, porque a inflação de custos interessa aos bancos. Esses, por sua vez, dominam o jornalismo econômico brasileiro, já viciado em entrevistar sempre os mesmos personagens, cuja principal função seria a de garantir de que a economia está bem ou, no máximo, ficará bem em breve. A questão dos jargões econômicos também foi abordada pelo professor, que disse serem os jargões usados por aqueles que não conhecem bem o assunto sobre o qual estão escrevendo.
Quanto a economia brasileira Kucinsky foi enfático ao afirmar que ela é “ O Terreno de engorda do capital financeiro”. As empresas produzem e lucram aqui, devido a mão de obra barata e aos juros altos, mas todas as decisões estratégicas são tomadas na sede da companhia, localizada, quase que sem exceções no exterior. Outro aspecto fundamental da economia nacional abordado por Kucinsky foi a desigualdade social, que chega a afetar os grandes jornais, como o Estado de São Paulo, e os jornais especializados, como o Valor Econômico, que falam somente para o setor burguês da população.
A inovação tecnológica foi abordada em diversos aspectos. O palestrante falou sobre o fenômeno da diminuição das redações e aumento de jornalistas especializados, sobre o florescimento de novos veículos devido ao fácil acesso a tecnologia e ao advento da Internet como uma mídia inovadora, capaz de proporcionar a interação autor-leitor de modo mais palpável. O desaparecimento da mídia escrita foi uma das questões respondidas pelo jornalista que diz ser muito cedo para definir algo acerca, mas que a mídia escrita não desapareceu com a chegada da televisão ou do rádio.
Uma parte significativa da palestra foi dedicada a dicas do professor aos futuros jornalistas. A primeira foi sobre a importância do byline, a assinatura do jornalista na matéria. Kucinsky destacou o byline como fundamental para que o jornalista seja, desde o inicio da carreira, responsável pelo que escreve. Em seguida falou-se sobre a importância do jornalista ser capaz de se impressionar com os fatos e se arriscar a escrever sobre tudo aquilo que ele considera importante e sobre o compromisso do jornalista com a verdade e as conseqüências que a publicação ou não dessa pode acarretar na vida tanto do jornalista quanto de seus personagens.
Ao fim da palestra, depois de responder algumas questões dos alunos, Kucinsky fez uma importante crítica feita aos jovens jornalistas: Eles perderam o respeito pelas pessoas, o que acarreta um aumento no número de casos de calúnia e difamação. Como resposta para esse desrespeito o jornalista disse que o jornalista tem grande poder, mas que todo grande poder traz uma grande responsabilidade.

terça-feira, 17 de junho de 2008

O jornalismo atual, segundo Bernardo Kucinski

Por Adriana Nakamura (nUSP 5904251)

O Jornalista Bernardo Kucinski esteve na Escola de Comunicações e Artes da USP nesta última quinta-feira, 12 de junho, para palestrar aos alunos do terceiro semestre de Jornalismo. Kucinski discorreu sobre os problemas, os vícios e as deficiências do jornalismo atual, além de dar algumas orientações àqueles que pretendem seguir a carreira.

“Falta para nós, aqui no Brasil, uma teoria do jornalismo em sistemas autoritários”, foi o comentário que abriu a palestra. A análise girou em torno da contradição entre as teorias jornalísticas importadas dos Estados Unidos e da Europa e a realidade das redações brasileiras. Segundo Kucinski, os grandes veículos de comunicação daqui impõem autoritariamente suas ideologias sobre os redatores e é preciso batalhar muito para se conquistar o direito de assinar uma matéria e de ser reconhecido na profissão. Ele acredita que uma das saídas para driblar o autoritarismo das redações é adotando uma posição defensiva. É recomendável que o jornalista tenha seus próprios instrumentos, fontes e arquivos para que não dependa da empresa. Além disso, é interessante dar privilégio aos veículos menores, principalmente no início da carreira, pois nos grandes jornais não há espaço para desenvolver-se com liberdade.

Uma outra forma de defesa é a formação de panelinhas. “Aqui não existe aquela coisa de você ser chamado porque você é bom. Você é chamado porque você é daquela panelinha”, afirmou. Neste ambiente, que é muito mais competitivo hoje, é importante pertencer a um grupo para sobreviver na profissão. O palestrante deu ainda outras dicas aos universitários, como “nunca critiquem um colega de profissão” e “sejam sempre corretos com as fontes e com seus leitores”.

Durante a palestra, Kucinski fez uma crítica ao jornalismo cívico, alegando que a profissão exige um compromisso com a verdade, a qual não deve, em hipótese nenhuma, ser suprimida, administrada, omitida ou postergada, mesmo quando a revelação de uma notícia possa levar a uma tragédia, como ocorre em casos de seqüestro, por exemplo. “Você nunca é responsável por ter dito uma verdade, (...) mas se o fato de você dizer uma mentira levar a uma coisa desastrosa, você é co-responsável.”, declarou.

B. Kucinski ministrara aulas de Jornalismo Econômico na ECA até o ano passado, quando “foi aposentado à força, por idade”, como ele mesmo diz. O ex-professor, que também já ocupou o cargo de assessor de comunicações do presidente Lula, acredita que o jornalismo econômico não tenha no Brasil a mesma função que exerce em outros países. Nesta sociedade marcada pela polarização da renda, os jornais falam para um público restrito, os enfoques são aqueles desejados pelas elites e a abordagem obedece aos interesses dos bancos. A imprensa da economia brasileira é dominada pelo capital financeiro. Além disso, os jornalistas não são preparados satisfatoriamente para tratar dessa área, que é tão complexa. “Boa parte dos jargões que o pessoal usa, no fundo, é uma maneira de se proteger, de esconder a própria ignorância”, revelou.

Questionado sobre as mídias digitais, ele disse que a internet é “revolucionária, libertária e gera grande interlocução do leitor”, além de “um novo tipo de satisfação” no jornalista, na medida em que ele pode obter respostas imediatamente dos seus leitores. Por outro lado, o ex-professor declarou que é muito difícil prever o futuro do jornalismo frente aos avanços tecnológicos. “O jornalista perdeu o monopólio da informação; qualquer um pode falar”. Kucinski citou também os cinegrafistas amadores e classificou o processo como uma democratização dos meios informativos.

domingo, 15 de junho de 2008

Reportagem sobre a palestra de Bernardo Kuscinski

Os alunos devem cobrir o evento produzindo um texto jornalístico de 50 linhas, no máximo, com título de até 45 toques.

Pode ser uma reportagem da palestra ou uma entrevista com o conferencista, a escolher.

Os trabalhos individuais e assinados (sem esquecer o número USP), devem ser postados no blog da classe ("somos nozes") até o dia 19 de junho.

Será a terceira nota do curso, compondo com as provas a média sobre a qual incidirá até 0,5 ponto, referente à participação individual no Observatório da Crise.

sábado, 14 de junho de 2008

INFLAÇÃO DE ALIMENTOS

Contradições do noticiário econômico

Por Luciano Martins Costa em 10/6/2008
Comentário para o programa radiofônico do OI, 10/6/2008

A imprensa brasileira ainda não registrou formalmente, mas sobram sinais de que o período de alta de preços de produtos básicos, as chamadas commodities, pode estar com os dias contados.
A leitura combinada de boletins de instituições financeiras, artigos e avaliações de autoridades monetárias noticiados nos últimos dias aponta para a adoção de medidas de contenção das especulações no mercado.

Por trás desse jogo está o risco de multiplicação de protestos como os que vêm ocorrendo na Europa contra o alto preço dos combustíveis.
Pode ser que estejamos observando um processo inédito de organização dos mercados contra a ação de especuladores. Analistas conservadores que observam os movimentos dos grandes fundos de investimento registram mudanças de rumo na tendência de investimento em commodities.

O risco de conturbações sociais provocadas pelo alto preço do petróleo e pela inflação de alimentos pode estar acendendo sinais de perdas significativas no médio prazo. E os grandes fundos, que têm capacidade para produzir o chamado efeito-manada, estariam considerando com maior cautela o risco social nos seus investimentos em commodities.

Ausência eloqüente

Especialistas observam, aqui e ali, que os aumentos de preços de produtos básicos têm razões diversificadas, entre eles o próprio aumento de consumo em países como China, Índia e Brasil, mas lembram que, se estiverem dispostos a reduzir riscos no futuro, os grandes protagonistas do mercado vão agir contra a especulação.

Se forem confirmadas essas avaliações, a imprensa brasileira terá de enfrentar certas contradições que se criam no noticiário econômico do dia-a-dia. Por exemplo, ao comemorar a obtenção de melhores preços para a soja ou outras commodities, a imprensa se refere à melhora das contas externas do Brasil e à soma de pontos positivos no festejado sucesso da política econômica do governo. Mas o aumento de preços das commodities, junto com outros fatores, pode despertar o dragão da inflação, como alertava a revista Veja na semana passada

O momento é interessante para observar como o noticiário, de modo geral, aborda os fatos econômicos apenas pelo lado dos lucros, como se o sucesso do mercado sempre representasse o bem-estar da sociedade. Na economia globalizada, é preciso notar que, se as oportunidades se ampliam, também se altera o conceito de risco.
Recentemente, esse foi um dos temas debatidos por especialistas em desenvolvimento sustentável na Conferência Internacional do Instituto Ethos. Não foram notados editores de economia na platéia.

Bernando Kucinski discute jornalismo na ECA

Por Cristiane Sinatura (nUSP: 5904417)

“Não vale a pena ser jornalista só por ser”. Com essa frase, o ex-professor de Fundamentos de Economia da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP), Bernardo Kucinski, ilustrou o exercício jornalístico como deveria ser, em palestra ministrada aos alunos do terceiro semestre de Jornalismo da ECA

Segundo ele, o jornalismo no Brasil vive em um sistema autoritário, em que a grande censura é feita justamente pelos próprios jornalistas. “Eles sabem muito mais do que publicam”, explica Kucinski. “A culpa é, em parte, dos jornais brasileiros, que procuram profissionais não por suas idéias, mas unicamente para cumprir tarefas”.

Adentrando a área do jornalismo econômico, o professor, que já foi assessor de comunicação do presidente Lula, diz que a falta de abordagens mais profundas e pouco acessíveis ao público leigo se deve principalmente ao interesse dos bancos que, em um país pouco esclarecido, podem atuar com mais facilidade a favor de seus próprios lucros. “O que temos hoje é uma relação de promiscuidade entre o jornalismo econômico, principalmente aquele feito pela grande imprensa, e o capital financeiro”, expõe Kucinski. “O melhor trabalho atualmente é feito pelos veículos menores”.

Dessa maneira, o jornalismo econômico brasileiro, repleto do que Kucinski chama de “panelinhas” (grupos muito restritos de jornalistas, balisados por um interesse em comum) não exerce a mesma função que a imprensa estrangeira. “Ao invés de esclarecer, aqui os jornais fazem um jornalismo de elite para elite e levam o povo a crer que está tudo bem com a economia nacional”, acrescenta o professor, graduado em Física pela USP, especializado em Comunicação e autodidata em Economia.

Na palestra, o autor do livro “Jornalismo econômico” deu uma série de dicas para aqueles que desejam sobreviver no mercado sem se vender. “Vocês têm que ser muito bons. Para isso, estudem muito sobre todos os assuntos que abordarem, descubram as melhores fontes e mantenham a capacidade de se maravilhar e de se indignar com as coisas”.

Kucinscki também teceu críticas aos estudantes de jornalismo em geral, alegando que hoje a maioria já começa muito cínica, ou seja, desprovida de idealização. Com base em sua vivência na ECA, como professor do curso de Jornalismo, ele afirma que os erros começam já na faculdade. “Se você não faz alguma coisa que presta já no Jornal do Campus, dificilmente fará ao longo da carreira. O bom jornalismo começa na escola”.

Depois de quase um hora de palestra, Kucinski deu início a uma discussão com a classe, conduzida pelas perguntas dos alunos. Nesta segunda parte, o professor continuou a dar dicas como “não discuta com o editor” e “não critique seu colega”.

Perguntado sobre a contradição entre sua afirmação de que os jornais não procuram jornalistas por suas idéias e a crescente prática do jornalismo opinativo na imprensa atual, Kucinski esclarece que “quem pode opinar é uma 'panelinha' muito restrita e seleta, de profissionais já estabelecidos”.

Sobre a “profecia” que determina o fim do jornalismo impresso, Kucinski é enfático: “Os jornais nunca vão desaparecer. As revistas ilustradas, como Life e Manchete, sumiram quando a tevê começou a dominar o jornalismo, mas hoje esse segmento está reaparecendo”.

O professor também vê a internet com bons olhos. Para ele, se antes era o editor quem permitia grandes satisfações ao jornalista, ao conceder-lhe uma manchete de capa, hoje é o próprio leitor internauta que se encarrega disso. O jornalista pode perceber a repercussão de sua matéria tão logo a publica na internet, graças à relação interativa que se estabelece com o leitor, que agora pode comentar em tempo real.

Para encerrar, de volta à questão do jornalismo econômico, Kucinski afirmou que o jornalista dessa área, além de não se vender ao mercado, precisa entender melhor o próprio processo econômico para fazer um bom trabalho.

terça-feira, 10 de junho de 2008

Obama e McCain não têm plano para deter crise nos EUA, diz analista

10/06/2008 - 09h58


ÉBANO PIACENTINIcolaboração para a Folha Online

Os dois prováveis candidatos à Casa Branca --o democrata Barack Obama e o republicano John McCain -- não possuem grandes idéias para superar a recessão nos Estados Unidos, na opinião de Thomas Patterson, professor da Universidade de Harvard especializado em política governamental, eleições e mobilização da sociedade civil.
Em entrevista por telefone à Folha Online, o especialista comparou a atual crise econômica com a causada pela quebra da bolsa de Nova York, em 1929, quando o então presidente Franklin Roosevelt (1933-1945), inspirado na teoria de John Keynes, interveio na economia.
AP/Efe
Os prováveis candidatos à Casa Branca, senadores Barack Obama e John McCain
"A crise econômica dos anos 1930 não é como a de hoje. Na época, Roosevelt promoveu marcos regulatórios e um programa de seguridade social inspirado [no economista britânico] Keynes. Eu não vejo grandes idéias na campanha de Obama. Vai ser interessante ver ele ou McCain lidarem com a crise econômica, mas não vejo nenhuma grande filosofia. A crise atual é crônica, vem se desenhando há algum tempo, e o governo não tem controle sobre ela", diz.
Para o professor, Obama é mais parecido com o ex-presidente Jimmy Carter (1977-1981) que com John F. Kennedy (1961-63), com quem a campanha do senador busca associá-lo.
"O ex-presidente mais parecido com Obama, em minha opinião, é Carter. Ele era um "outsider" em 1976. Depois de Watergate, que acabou com a confiança dos americanos no governo, Carter unificou a nação e fez todos acreditarem novamente na política. Ele foi, como Obama, o "outsider" que entrou na disputa, incomodando os candidatos do establishment".
Patterson é autor de "The Unseeing Eye" (O olho invisível, em tradução livre), escolhido como um dos 50 livros mais influentes sobre a opinião pública americana na segunda metade do século 20. Leia a seguir a entrevista concedida pelo especialista de Harvard à Folha Online.
Folha Online - Como fica a campanha eleitoral com a saída de Hillary Clinton ?
Patterson - Ainda há muita pressão sobre Hillary Clinton. O partido, que estava dividido, começa a se reunificar. Ela tem uma personalidade muito forte e teve quase tantos votos populares quanto Obama, é uma situação delicada. Os democratas estão correndo para se alinharem, mas precisam decidir que papel a senadora assumirá, ou deixará de assumir.
Folha Online - Hillary não seria uma vice forte demais para Obama, não competiria com ele?
Patterson - Como presidente dos Estados Unidos, é preciso se cercar de pessoas influentes e experientes. Isso lembra os anos 60, quando John F. Kennedy teve como vice Lyndon Johnson, que era líder da maioria no Senado. Kennedy não teve dificuldades em lidar com Johnson. Além disso, o histórico de Hillary como senadora é de saber se relacionar com outras lideranças. Um vice com forte liderança não é necessariamente um problema.
Folha Online - A campanha de Obama tem tentado associar sua imagem à de Kennedy. Essa semelhança é real?
Patterson - Eu não acho que ele seja semelhante a Kennedy. Ele foi um candidato e um presidente muito diferente. Kennedy também foi um ótimo orador, mas ele era um negociador e um "insider", que se movimentava com influência dentro do partido. Neste sentido, ele se aproxima mais de Hillary, que tem muita influência entre os democratas. O ex-presidente mais parecido com Obama, em minha opinião, é Jimmy Carter. Ele era um "outsider" em 1976, com pouca experiência política. Após Watergate, que acabou com a confiança dos americanos no governo, Carter unificou a nação e fez todos acreditarem novamente na política. Ele foi, como Obama, o "outsider" que entrou na disputa, incomodando os candidatos do establishment, gerou muito entusiasmo nas pessoas e depois teve alguns problemas --alguns que não criou. Havia muito desemprego e uma crise econômica na época.
Carolyn Kaster/Alex Brandon/AP
Para professor, o provável candidato democrata Barack Obama (esq.) tem um perfil parecido com o do ex-presidente Jimmy Carter
Folha Online - Carter era tão liberal quanto Obama?
Patterson - Não. Mas ele tinha um discurso parecido: falava em unir os americanos e acabar com a divisão entre os partidos, assim como Obama.
Folha Online - Quando Roosevelt foi eleito à Casa Branca em 1933, os EUA viviam uma recessão econômica causada pela quebra da Bolsa de Nova York em 1929. A crise que o país vive hoje é apontada por economistas como a maior em décadas. O sr. acredita que caso seja eleito, Obama tomará medidas que ajudem a economia a se reerguer?
Patterson- Há algumas semelhanças. Mas falar de Roosevelt, ou mesmo de Kennedy, é falar de profundas experiências políticas nos EUA. Roosevelt foi Secretário da Marinha durante a Primeira Guerra Mundial (1914-1919), candidato à vice-presidência em 1920 e, em 1928, foi eleito governador de Nova York. Ele tinha muita experiência. John F. Kennedy foi congressista no fim dos anos 1940 e se tornou presidente muitos anos depois. A crise econômica dos anos 1930 não é como a de hoje. Na época, Roosevelt promoveu marcos regulatórios para as atividades financeiras e um programa de seguridade social inspirado na teoria econômica de John Keynes. Eu não vejo nenhuma grande idéia na campanha de Obama.Vai ser interessante ver ele ou McCain lidarem com a crise econômica, mas eu não vejo nenhuma grande filosofia. A crise atual é crônica,vem se desenhando há algum tempo, e o Estado não tem controle algum sobre ela.
Para mudar isso seria preciso um plano de uma dimensão que ainda não foi pensada por aqui, e não se pode aplicar a mesma fórmula de Roosevelt. Isso não quer dizer que não se possa fazer nada. Se eleito, Obama vai querer melhorar o sistema de saúde, e vai enfrentar problemas nesse sentido, pois não há muito dinheiro para isso. Ele também irá agir sobre o comércio, mas vivemos em um mundo globalizado. É um contexto mais difícil para se promover uma intervenção estatal da dimensão que Roosevelt executou nas décadas de 30 e 40 [Roosevelt foi reeleito por elevada margem de votos em 1936, 1940 e 1944], e eu não vejo nem as idéias nem as condições para um plano dessa grandeza. Ao menos por enquanto.
Folha Online - McCain tenta agora se colocar como o "novo líder", que acredita na força do livre mercado e que cuidará das "questões do novo século", como o aquecimento global e as fontes de energia. O sr. considera que esta nova estratégia pode funcionar?
Bill Haber/AP
Senador republicano, John McCain discursa em evento de campanha em Kenner, Los Angeles
Patterson - Ambos os candidatos falam em inserir na agenda política americana a questão do aquecimento global. Tirando isso, eles divergem na maioria dos temas. McCain é naturalmente um político a favor do livre mercado, e esta tem sido a tendência da chamada globalização mundial. Em parte o que ele fala sobre o senador democrata está certo: uma parte da política de Obama é "antiga", mas isto pode ser a política certa neste momento.
A idéia, por exemplo, de que o governo tem que melhorar a saúde pública. Os Estados Unidos são uma das poucas democracias desenvolvidas que não têm um sistema de saúde pública, financiado pelo governo. Saúde pública universal é "política antiga". São gastos enormes ao governo, pode significar aumentos de impostos. Mas por vezes "políticas antigas" podem ser boas políticas. Os americanos precisam ter acesso a uma saúde pública, ou ao menos subsidiada, pois os custos dos planos de saúde são exorbitantes.
As empresas americanas têm que pagar pelos planos de saúde de seus funcionários, o que coloca as companhias em desvantagem em relações a outros países.O problema de Obama é que ele promete reformar o sistema de saúde, e, se eleito, será difícil realizar esta política. Em 1993, Bill Clinton foi eleito prometendo melhorar a saúde, mas depois não o fez, pois não havia dinheiro no governo para isso. Obama pode enfrentar o mesmo problema.
Folha Online - Obama é muito criticado por ser inexperiente. O sr. acha que ele pode formar uma equipe forte, que preencha as suas lacunas de experiência executiva?
Patterson - Algo positivo sobre tornar-se presidente é que você pode se cercar de muitos assessores competentes. Mas nós não sabemos ao certo. Ele nunca geriu nada sozinho. Bill Clinton sofreu por sua inexperiência como administrador nos primeiros 18 meses na Presidência, demorando para tomar decisões, em parte pois ele não sabia lidar com todos os conselhos que recebia. Se Obama ganhar, vamos ver o que acontecerá.

segunda-feira, 9 de junho de 2008

Análise do Fundo Soberano por uma equipe da Unicamp

Assessoria de Comunicação e Imprensa - UNICAMP

"Fundo soberano made in Brazil (Valor Economico - 06/06/2008): Os fundos de riqueza soberana (FRS) vêm ganhando destaque crescente nos fóruns políticos internacionais e na imprensa especializada. Esses fundos governamentais de investimento, criados majoritariamente pelos países em desenvolvimento, são geridos em separado das reservas oficiais e constituídos de ativos em moeda estrangeira. Enquanto as reservas são aplicadas em títulos dos principais países centrais, notadamente do Tesouro americano, os FRS diversificam suas aplicações em diversos tipos de ativos em busca de maiores retornos.
Esses fundos alcançaram um patrimônio estimado entre US$ 1,9 a 3,5 trilhões e se transformaram em importantes atores financeiros globais. Embora atuem de forma semelhante a qualquer outro fundo de investimento financeiro, os FRS estão suscitando preocupações quanto a seus impactos potenciais na estabilidade financeira mundial e na segurança nacional nos países centrais. São crescentes as pressões para que esses fundos adotem um código internacional de conduta que defina regras para suas estratégias de investimento.
Os primeiros FRS foram criados na década de 1950, como o Kuwait Investment Authority (KIA). Na década de 1970, com a elevação dos preços do petróleo, surgiram outros fundos baseados nas receitas de exportações desta commodity e foi instituído, pelo governo de Cingapura, o primeiro fundo soberano com recursos oriundos das exportações de manufaturados. No começo dos anos 1990, ocorreu a terceira onda de criação de fundos soberanos, seja por países exportadores de bens industrializados (Malásia e Taiwan), seja por exportadores de petróleo (Irã e Qatar). Na presente década, o aumento das receitas de exportações de vários países em desenvolvimento (associado ao recente boom de commodities e aos ganhos de competitividade na produção de manufaturas), aliado ao seu esforço em acumular reservas, os transformaram em exportadores líquidos de capital e estimularam a proliferação dos FRS. Foram criados mais de dez novos fundos, dentre os quais os da Rússia, China e Coréia, com objetivo de viabilizar um fluxo de receita sustentável para fazer face ao esgotamento dos recursos naturais e/ou à perda de competitividade internacional, e de reduzir o custo de carregamento das reservas. Atualmente, mais de 20 países possuem FRS.
O Fundo Soberano do Brasil (FSB), recentemente anunciado, possui várias peculiaridades vis-à-vis aos existentes. Na realidade, o FSB não deveria ser classificado como um Fundo de Riqueza Soberana. Enquanto os FRS se baseiam em riquezas soberanas - associadas a recursos naturais escassos e não-renováveis, ou a estoques elevados de reservas internacionais acumuladas a partir de estratégias que priorizam a competitividade das exportações e a redução da vulnerabilidade externa -, o FSB terá como fonte principal de recursos um adicional de 0,5% do PIB à meta de superávit primário (3,8% do PIB) que será destinado à aquisição de cotas do Fundo Fiscal de Investimento e Estabilização (FFIE) constituído no Banco do Brasil. Secundariamente, o Tesouro poderá emitir títulos públicos para complementar o capital do FFIE."


--Fundo é mero paliativo cambial, é mais eficaz adotar controles mais amplos sobre os fluxos de capitais de curto prazo--

O FSB também se diferencia dos FRS existentes em relação aos seus objetivos. Por intermédio do FFIE, o FSB comprará dólares no mercado, que serão aplicados em empresas brasileiras no exterior, como a Petrobras e a filial estrangeira do BNDES, e financiará a compra de produtos brasileiros e a expansão de empresas nacionais no exterior. Dessa forma, pretende-se alcançar três objetivos: formar uma poupança pública para uso anticíclico; aumentar o funding do BNDES, que se tem revelado insuficiente para atender às necessidades de financiamento do setor privado; e ampliar a demanda por dólares no mercado de câmbio para deter a apreciação do real.
Essas linhas gerais do FSB revelam que não se trata de um fundo de aplicação de reservas acumuladas ou de superávits realizados na conta de transações correntes, mas de um fundo lastreado em recursos fiscais. Assim, qualquer análise deve partir do pressuposto de que o FSB não constitui um FRS, mas um instrumento adicional de política. Desse prisma, é fundamental observar que o primeiro objetivo, a adoção de uma política fiscal anti-cíclica, é prematura no caso do Brasil, que não possui superávit nominal e já realiza um esforço fiscal significativo. A arrecadação fiscal adicional em função da elevada elasticidade das receitas tributárias teria outros usos igualmente justificáveis, como a redução da dívida mobiliária e o financiamento da infra-estrutura.
No caso do financiamento externo de instituições públicas brasileiras, o mesmo resultado poderia ser alcançado mediante outros instrumentos. Por exemplo, o BNDES poderia ampliar seu funding por meio da emissão de títulos no mercado internacional, em condições de prazo e custo hoje mais favoráveis do que no passado recente, graças à obtenção do investment grade.
O terceiro objetivo - a criação de uma nova fonte de demanda por dólares - é o mais relevante diante da trajetória de deterioração da balança comercial. O fundo possibilita a aquisição de divisas pelo Tesouro com custo inferior ao atual, dada a rentabilidade superior das suas aplicações. Dessa forma, o governo emitiria uma sinalização contrária à tendência de apreciação do real, desejável frente à perspectiva de maior entrada de dólares decorrente do grau de investimento. No entanto, mesmo a aplicação de uma parte do superávit primário no FSB implicaria restrições à redução da dívida pública interna, cuja taxa de juros é superior à rentabilidade média das aplicações possíveis. Do ponto de vista cambial, o FSB é um mero paliativo para a gestão da política macroeconômica. Seria mais eficaz ir ao centro da questão, mediante a adoção de controles mais amplos sobre os fluxos de capitais de curto prazo, o que exigiria uma mudança mais expressiva no regime cambial e monetário vigente.
Em suma, o FSB é um instrumento completamente distinto de outros fundos soberanos e tem potencial muito limitado para enfrentar os dilemas atuais da política econômica.

Maria Cristina P. de Freitas é professora da PUC-SP e consultora da Fundap.

Geraldo Biasoto Jr é professor-licenciado do Instituto de Economia da Unicamp e Diretor-executivo da Fundap.

Daniela M. Prates é professora-doutora do Instituto de Economia da Unicamp, pesquisadora do Cecon e do CNPQ.

Governo estuda zerar alíquotas de importação para conter preços, diz Miguel Jorge

IVANIR JOSÉ BORTOTLINCOLN MACÁRIO

da Agência Brasil

Para controlar a inflação, o governo poderá zerar as alíquotas de importação em setores onde constatar um aumento excessivo de preços. Em entrevista exclusiva à Agência Brasil, o ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Miguel Jorge, diz que aumentar os juros é um remédio clássico para combater a alta de preços. Ele, no entanto, afirma que o combate a abusos do mercado - que pode ser feito com mudanças nas tarifas de importação --também deve ser uma arma do governo.
Miguel Jorge disse que as áreas técnicas de sua pasta e do ministério da Fazenda vão fazer um cruzamento de dados para identificar "gargalos"que possam estar provocando aumento do custo das indústrias. Para ele, há um componente especulativo na alta dos preços dos alimentos no mercado.
O ministro acredita que os investimentos no setor produtivo não vão diminuir, mesmo com o aumento da taxa Selic, isso graças aos benefícios fiscais da recém-lançada Política Industrial. Ele rebateu as críticas de que 50% dos recursos do pacote para a indústria tenham beneficiado o setor automobilístico. E enfatizou: o setor vai receber R$ 3 bilhões em incentivos e estará investindo R$ 20 bilhões nos próximos três anos.
Jorge revelou ser contrário à Contribuição Social para a Saúde (CSS) e disse que uma melhora da gestão pública teria mais resultados que um novo imposto, ao defender uma redução da atual carga tributária, equivalente a 36% do Produto Interno Bruto (PIB), para melhorar a competitividade da indústria brasileira.
O crescimento das importações não preocupa o governo, uma vez que o item de maior importância é o de bens de capital, que vem contribuindo para modernizar o setor produtivo e a crescer no momento em que a maior parte das indústrias estão com 90% da capacidade produtiva ocupada.
O atual patamar de valorização do câmbio não tira a competitividade e, ao contrário do que os analistas sustentam, não vem provocando uma "desindustrialização" do país, segundo Miguel Jorge.
Leia trechos da entrevista:
Agência Brasil - Juros é o melhor remédio para esta situação de inflação acelerada?
Miguel Jorge - Pode não ser o melhor, mas ele é um dos poucos. Estamos levantando eventuais gargalos na produção para que a gente possa agir, se houver uma inflação de demanda, em algumas áreas da economia, mas o aumento dos juros é um remédio clássico para esta circunstância.
ABr - O presidente Lula pediu ao senhor e ao ministro da Fazenda, Guido Mantega, para analisar que medidas podem ser adotadas no combate a inflação?
Miguel Jorge - Ao invés de fazer uma conversa com o ministro Mantega, eu pedi para os nossos secretários que se encontrassem com os secretários da Fazenda, para que eles possam cruzar as informações sobre eventuais gargalos que estejam pressionando a inflação e, para que, eventualmente, se tomem medidas em relação aos gargalos.
ABr - Que medidas?
Miguel Jorge - Medidas clássicas, já que nós falamos em taxa de juros como medida clássica, como redução de tarifas de importação. Se você notar que em algum setor está havendo um aumento indevido, excessivo de preços, que possa estar influenciando o custo das empresas, obrigando a elevarem seus preços, causando mais inflação, certamente você tem que zerar a alíquotas de importação. É uma medida que nós podemos tomar.
ABr - Com o último dado de aumento de 10,5% na produção industrial fica muito difícil dizer que a elevação dos preços é provocada pelo crescimento do consumo. Que outros elementos estão alimentando a inflação? Há especulação?
Miguel Jorge - Há especulação. Isso já é conhecido. O presidente Lula já falou isso. Se você tirar o aumento dos preços dos alimentos da inflação, verá que mais da metade da nova inflação é de alimentos. Com o enxugamento da liquidez no mundo, os grandes fundos e os especuladores começaram a ir para os mercados de commodities, causando aumento nos preços dos alimentos. É verdade que há um aumento no consumo de alimentos em vários países e de consumo do milho para etanol nos Estados Unidos.
ABr - Ao elevar a taxa de juros, o Banco Central não passa um sinal ao empresário de que o custo do investimento vai ficar mais caro?
Miguel Jorge - Realmente isso é uma conseqüência óbvia do processo do aumento dos juros. Uma das coisas que minimizará este efeito é o fato de termos lançado a política de desenvolvimento produtivo, que faz com que se facilite o investimento. O BNDES [Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social], ao passar o financiamento de uma máquina de cinco para dez anos, ou ao acelerar muito a depreciação de um equipamento, que hoje pode ser feito em um ano e não mais em cinco, está promovendo o investimento sem que você tenha efeitos no consumo. Pode ter um efeito importante na redução do consumo o aumento dos juros, mas os investimentos serão afetados positivamente pelos efeitos da Política de Desenvolvimento Produtivo.
ABr - Analistas do mercado apontam o setor automotivo como o principal beneficiado pelas medidas da política de desenvolvimento produtivo, em um momento que a ampliação das frotas de veículos estão agravando os problemas de trânsito das grandes cidades. Além disso, o setor não tem condições de andar com as próprias pernas?
Miguel Jorge - Certos analistas fizeram uma leitura apressada e irresponsável da medida e saíram falando bobagem, quando disseram que a indústria automobilística receberia 50% das desonerações fiscais. Isso é uma deslavada mentira. As desonerações estão em R$ 24 bilhões e a indústria automobilística está recebendo R$ 3 bilhões do total. Isso significa 12%, não 50%.
ABr - E crescimento no uso de automóveis nas grandes cidades?
Miguel Jorge - O problema não é que tenhamos muitos automóveis nas cidades. O problema é que nossas cidades não investiram em infra-estrutura. É uma irresponsabilidade o que aconteceu neste país, em termos de infra-estrutura local, nem estou falando na infra-estrutura dos portos e das rodovias. O automóvel está mostrando para onde vão os impostos cobrados dos veículos que deveriam ir para a infra-estrutura, inclusive para transporte coletivo.
ABr - A ineficiência do setor de transporte acaba sendo um custo distribuído em toda a cadeia de produção?
Miguel Jorge - Um caminhão que precisa chegar ao Porto de Santos levando uma mercadoria, ele tem que cruzar a cidade inteira e, para isso, leva de duas horas e meia a três horas. Além do prejuízo para a importação e a exportação, tem o prejuízo para a cidade de bilhões de dólares por ano, além da poluição.
ABr - As indústrias operando com 90% de sua capacidade, mas a incorporação de mais 20 milhões no mercado consumidor, o senhor acha as políticas de estímulo à produção do seu ministério vão produzir efeito a tempo de evitar uma inflação maior?
Miguel Jorge - No caso da inflação industrial, sim. Agora temos que pensar que uma boa parte da inflação está nos alimentos. Fizemos a liberação, a pedido do ministro Reinhold Stephanes, das alíquotas de importação do trigo, reduzindo o custo dos impostos da Marinha Mercante, para importar trigo do Canadá e dos Estados Unidos a preços competitivos. Aí, temos um paradoxo: o pãozinho está subindo muito e o preço do automóvel, cuja venda cresceu 30%, não está subindo. O aumento dos automóveis no último ano foi de 2,5%.
ABr - E a reforma tributária não poderia ajudar na redução dos custos das empresas?
Miguel Jorge - A reforma tributária está no Congresso Nacional, e espero que o deputado Antônio Palocci tenha razão de que a gente consiga aprová-la até o final do ano. Temos que avançar mais. As tentativas anteriores não foram adiante porque eram mais profundas do que esta e tiveram resistência. Agora temos uma reforma que é possível. A resistência a uma reforma mais profunda não veio dos setores produtivos. Veio dos governos estaduais e municipais.
ABr - Para os setores industriais e comerciais, reduzir imposto pode ser uma saída para ganhos de produtividade e competitividade?
Miguel Jorge - Nós temos uma confusão na legislação brasileira. Hoje, nas empresas você tem áreas só para tratar dos tributos, para preencher papel e planilhas de computadores. Agora, você tem de outro lado um peso excessivo dos impostos sobre a produção, quando deveria ser maior sobre o consumo. Acredito que deveríamos, a partir do momento que o país tem um crescimento sustentável, é o que dizemos que tem, pensar em duas coisas: em reduzir os gastos públicos e mantê-los sob controle, é o que está sendo feito, e reduzir a carga tributária. Nós aumentamos muito a carga tributária quando tivemos que cobrar mais impostos em uma época em que não tínhamos tanta produção para que cobríssemos os gastos públicos.
ABr - É um estrutura tributária herdada de um período de inflação alta?
Miguel Jorge - É exatamente isso. Agora temos que repensar essa estrutura tributária e ir reduzindo, claro que não podemos dar uma "paulada" e ir reduzindo de 36% do Produto Interno Bruto [PIB] para 30%, 28% ou 25%, mas começar a pensar e a discutir o assunto.
ABr - E este novo tributo que está sendo criado para financiar a saúde não pode elevar os custos das empresas?
Miguel Jorge - Se eu considero que deveríamos reduzir a carga tributária? Evidentemente que o ministro do Desenvolvimento tem que ser contra o aumento de carga tributária. E é um aumento de carga tributária. Ontem, um deputado amigo meu dizia que só as pessoas que ganham acima de R$ 3 mil pagariam o imposto. Não importa, é mais aumento de tributo e que vai ser repassado ao produto. O presidente Lula reclamava que nenhum empresário abaixou o preço com o fim da CPMF [Contribuição Provisória sobre a Movimentação Financeira]. O empresário não vai baixar mesmo, já está no custo.
ABr - São os custos da burocracia para as empresas?
Miguel Jorge - Acho que as empresas melhoraram muito a gestão, mas há muita burocracia no país. Eu mesmo passei esses dias por isso. Precisei de um documento para uma destas áreas ligadas ao governo, em que o ministro faz parte, e exigiram que tivesse autenticação com firma reconhecida. Aí, o chefe de gabinete passou o número do decreto, o artigo em que dizia que não é para ter mais isso. Insistiram. No final, acabaram aceitando. A burocracia não é questão brasileira, é de todo o mundo, é um negócio insidioso. Quando ela se instala é mais difícil de tirar do que imposto.
ABr - E o câmbio? O aquecimento da economia está elevando as importações, embora as exportações venham sendo sustentadas pelos preços das commodities no mercado externo.
Miguel Jorge - Não vejo muita possibilidade de queda dos preços. Nós continuaremos exportando bem. Acho que a decisão da Comunidade Econômica Européia vai contribuir para elevação das exportações de carne. Alguns países estão abrindo novos mercados para carnes de frango e suínos. Veja bem, os 10% de crescimento industrial devem-se, em parte, ao aumento da importação de bens de capital que continua crescendo.
ABr - Uma das contas que mais vem crescendo no Balanço de Pagamentos do Brasil é a remessa de lucros e dividendos, que já é maior que o pagamento de juros ao exterior. Isso não preocupa?
Miguel Jorge - Se elas [as empresas] estão mandando muito dinheiro é porque ganham dinheiro legalmente. Não há nenhum problema em relação a isso. É que, pela primeira vez, as empresas estão ganhando dinheiro. Nós passamos muito tempo com as empresas tendo dificuldade de sobreviver por causa da inflação. Imagine uma multinacional que tenha passado, a partir de 1986, por oito planos econômicos e seis moedas. Estas empresas perderam dinheiro por todo este tempo, mas se mantiveram no país. Naquela época, tiveram que trazer dinheiro de fora para não quebrar. Hoje, se elas estão ganhando dinheiro, se estiveram, nos priores momentos, no país, e hoje estão nos melhores momentos, têm o direito de mandar seus dividendos a seus acionistas.

Recado do professor

Antecipada para dia 12 a palestra de Bernardo Kucinski na ECA

Por motivos de agenda do convidado, a palestra do professor Bernardo Kucinski, marcada anteriormente para dia 19 de junho, foi antecipada para a próxima quinta-feira, 12 de junho, rigorosamente às 19:30 hs.

Os alunos devem cobrir o evento produzindo um texto jornalístico de 50 linhas, no máximo, com título de até 45 toques.

Pode ser uma reportagem da palestra ou uma entrevista com o conferencista, a escolher.

Os trabalhos individuais e assinados (sem esquecer o número USP), devem ser postados no blog da classe ("somos nozes") até o dia 19 de junho.

Será a terceira nota do curso, compondo com as provas a média sobre a qual incidirá até 0,5 ponto, referente à participação individual no Observatório da Crise.

sexta-feira, 6 de junho de 2008

Petróleo tem maior alta em um dia e supera a barreira dos US$ 139

da Folha Online
O preço do petróleo disparou nesta sexta-feira e cravou dois novos recordes --durante as negociações da Nymex (Bolsa Mercantil de Nova York) e no fechamento da sessão de hoje.
Durante o dia, o barril cravou a marca de US$ 139,01, maior da história da negociação da commodity na Nymex. No fechamento, o barril ficou em US$ 138,54 --novo recorde para um encerramento de negócios--, alta de US$ 10,71, ou 8,41% --a maior alta para uma única sessão.
As declarações do ministro dos Transportes de Israel, de que um ataque contra as instalações nucleares do Irã --segundo maior exportador da Opep (Organização dos Países Exportadores de Petróleo)-- é inevitável também levaram tensão ao mercado. Além disso, o banco de investimentos Morgan Stanley informou em um relatório que o preço da commodity pode chegar a US$ 150 em julho --por conta do feriado de 4 de Julho nos EUA, além da demanda crescente da Ásia.
O dólar caiu ainda mais após o anúncio dos dados de emprego nos EUA. A economia americana fechou 49 mil postos de trabalho em maio, e a taxa de desemprego teve a maior variação em um mês desde 1986, chegando a 5,5%.
A economia americana vem registrando resultados negativos nos indicadores de trabalho desde o início deste ano. Os setores que mais perderam vagas foram os de manufaturas, construção, varejo e serviços profissionais e comerciais.
A divisa norte-americana também recuou desde que o presidente do BCE (Banco Central Europeu), Jean-Claude Trichet, disse, ontem (5), que o conselho do banco "não descartará em sua próxima reunião subir a taxa de juros" para a zona do euro, a fim de garantir a estabilidade de preços.
Os investidores tem usado o petróleo e outras commodities para se proteger da desvalorização do dólar no mercado internacional e a da inflação em alta na economia dos Estados Unidos.
"Sem escolha"
O ministro dos Transportes de Israel, Shaul Mofaz, disse que o Irã pode ser atacadio se não abandonar seu programa nuclear, e que o presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad, "irá desaparecer antes que Israel desapareça", segundo reportagem do diário israelense ""Yediot Ahronot".
Ahmadinejad, na segunda-feira (2), disse que Israel irá "desaparecer em breve" e que o "poder satânico dos EUA" será destruído. "Vocês devem saber que o regime sionista criminoso e terrorista [Israel] que possui 60 anos de agressões e crimes alcançou o fim de seu trabalho e logo desaparecerá da cena geográfica", afirmou segundo a agência oficial Irna.
Ahmadinejad já havia deixado a comunidade internacional indignada em 2005, quando afirmou que Israel deveria ser "varrido do mapa".
Mofaz disse, segundo a reportagem, que as sanções internacionais impostas contra o Irã, como forma de interromper o programa nuclear do país, não surtiram efeito. "Se o Irã continuar com seu programa de armas nucleares nós iremos atacá-lo", disse o ministro, segundo o texto. "As sanções não são efetivas. Não haverá escolha que não atacar o Irã para interromper o programa nuclear."
Estoques nos EUA
Na quarta-feira (4) o Departamento de Energia dos EUA informou que as reservas de petróleo do país caíram em 4,8 milhões de barris na semana encerrada no dia 30 de maio, mas as reservas de gasolina cresceram em 2,9 milhões de barris no período, superando a previsão de alta de 1,2 milhão de barris e atingindo 209,1 milhões de barris.
A demanda por gasolina nos EUA, por sua vez, teve uma queda de 1,4% nas últimas quatro semanas, segundo o departamento.os dados fizeram com que o barril recuasse para o patamar de US$ 122. No dia 22 de maio o barril chegou ao recorde de US$ 135,09.
O barril já vinha recuando devido ao comentário feito ontem pelo presidente do Federal Reserve (Fed, o BC americano), Ben Bernanke, de que é improvável que o banco mantenha sua política atual de corte de juros. Com a perspectiva de que os juros do BC americano parem de cair, o dólar interrompeu a trajetória declinante vista nos últimos meses. Com o dólar podendo ganhar força diante das moedas frente às quais vem perdendo valor, como o euro e o iene, o preço da commodity pode voltar a ser um obstáculo para novos compradores --o que serviria como uma forma de frear a expansão da demanda.
Bernanke disse ontem que "no momento, a política monetária para promover o crescimento moderado e a estabilidade de preços ao longo do tempo". A avaliação dos analistas é de que o Fed deve deixar sua taxa de juros em 2% na próxima reunião do banco, programada para os dias 24 e 25 deste mês e, provavelmente, até o fim do ano (alguns falam em um ligeiro aumento mais perto do fim do ano, se a inflação registrar alta).

segunda-feira, 2 de junho de 2008

Crescem negócios com crédito podre

Cristiane Perini Lucchesi
02/06/2008

A ampliação no total de crédito no Brasil tem elevado também o volume de crédito com pagamento em atraso, o chamado crédito podre. O resultado é o aumento da venda desse tipo de ativo de grande risco e retorno no mercado secundário, que deve chegar a R$ 10 bilhões neste primeiro semestre, com relação aos R$ 17 bilhões de todo o ano passado. Em 2006, não chegou a R$ 5 bilhões. Os Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (FIDCs) têm sido os instrumentos cada vez mais usados pelos compradores para as aquisições, pois possuem vantagens fiscais.

"A inadimplência em relação ao total de crédito tem caído sistematicamente desde 2004, de 11% para 8%, mas o volume absoluto dos créditos em atraso cresceu", explica o sócio da KPMG especializado em reestruturação, Salvatore Milanese. Desde 2004, o crédito com atraso de 61 a 360 dias ainda na carteira dos bancos cresceu 50%, para níveis acima de R$ 78 bilhões, segundo estudo da KPMG com base em dados do Banco Central. Se somadas as operações fora do balanço, que já foram consideradas baixas contábeis e foram para a chamada "conta de compensação", o total de crédito podre estimado por Milanese no Brasil é de mais de US$ 116 bilhões.

Os bancos podem ganhar ao se desfazer desses ativos, pois podem ter algum lucro que, se viesse, só viria no futuro. Podem também deixar de se preocupar em ir atrás da recuperação desses créditos, o que tem um custo e muitas vezes é feito por empresas especializadas em cobrança terceirizadas. São os detentores dos ativos que organizam leilões privados para sua venda. Os investidores que compram os ativos e conseguem uma recuperação maior do que a estimada podem ter ganhos de 15% a 30% em dólar, calcula Milanese.

No final do ano passado, com a crise de hipotecas nos Estados Unidos e a maior aversão ao risco, muitos leilões acabaram não saindo, diz Cláudio Citrin, diretor da administradora de fundos internacionais Spinnaker. "Hoje, com o grau de investimento do Brasil e a menor aversão ao risco dos investidores estrangeiros, os leilões foram retomados", conta.

Segundo ele, após três anos de experiência nesse mercado mais complexo, os investidores já têm um parâmetro melhor dos custos do processo e da recuperação real que pode ser obtida com as mais diferentes carteiras. "Os preços passaram por um processo de ajuste, de sintonia fina, e agora o mercado voltou", diz.

Existem diversos tipos de crédito podres que podem ser vendidos: de pessoas físicas, empresas pequenas, médias ou grandes. Mas, no Brasil, a maior parte dos negócios é de venda de crédito para a pessoa física, que permite maior diversificação para o investidor, maior rentabilidade e possibilidade de recuperação. Do total do crédito em atraso de 61 a 360 dias em fevereiro último, 49% era crédito ao consumidor, segundo os dados do Banco Central. São dívidas nas operações de leasing, crédito direto ao consumidor, cartão de crédito, cheque especial etc.

O mercado secundário de crédito podre tem ampliado também os negócios para as empresas de cobrança de dívidas, das quais as mais conhecidas são a Credit One, a Siscom, a Audac, a Contax, a Vanc e a Atento, segundo participantes do mercado.

Entre os principais compradores de crédito podre, as tesourarias dos bancos de investimento internacionais e os fundos mais agressivos, explica Roberto Vianna, sócio da Lefosse Advogados, que atua no Brasil em parceria com a Linklaters. Também empresas especializadas na compra desses ativos participam dos leilões, como por exemplo a Credigy, que no Brasil é representada pela Betacred Aquisição e Administração de Créditos Ltda, a Recovery Brasil, a AMC e a Thorton. Participam também seguradoras.

Como os compradores nem sempre são conhecidos do consumidor, é possível ver na internet caso nos quais o devedor quer quitar sua dívida mas não consegue encontrar a pessoa certa para negociar o pagamento. Diversos bancos já realizaram leilões de venda de crédito podre na sua carteira ou fora dela, mas os mais ativos são o ABN AMRO, Santander, Itaú, Votorantim e Unibanco.

As primeiras mais famosas foram ainda no segundo semestre de 2006, quando o ABN Amro vendeu R$ 1,6 bilhão em créditos de varejo que já haviam sido baixados como prejuízo para a empresa americana Credigy após ter vendido R$ 900 milhões em créditos corporativos inadimplentes para o banco de investimento americano Lehman Brothers. Também em 2006 o Banco Itaú havia vendido carteira de crédito inadimplente de varejo de R$ 1 bilhão, com possibilidade remota de recuperação, mas para uma empresa do próprio grupo.

Fonte: Valor Econômico (http://www.valoronline.com.br/valoreconomico/285/financas/54/Crescem+negocios+com+credito+podre,,,54,4956939.html?highlight=&newsid=4956939&areaid=54&editionid=2018)

quarta-feira, 28 de maio de 2008

Alta de alimentos corrói renda familiar

Cibelle Bouças
28/05/2008

A inflação dos alimentos tende a comprometer mais a renda média disponível das famílias em 2008. A aceleração de preços da cesta básica, porém, deve ser compensada em parte por reajustes menores nas tarifas de serviços como energia elétrica, telefonia, gás e transporte. Em 2009, a situação se inverte e os preços administrados (reajustados com base no IGP-M) devem se acelerar e impactar mais a renda familiar, enquanto os preços de alimentos registrarão altas menores em comparação com as variações previstas para este ano.

O efeito corrosivo da inflação de alimentos sobre o poder de compra dos trabalhadores já apareceu nos quatro primeiros meses do ano, conforme análise da MB Associados. A consultoria traça um comparativo entre o preço médio da cesta básica, calculada pelo Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Sócio-econômicos (Dieese), e o salário mínimo. Em março, quando houve o reajuste do mínimo para R$ 415 - aumento de 9,2% e ganho real sobre a inflação dos 12 meses anteriores de 4,7% - , um salário era suficiente para comprar o equivalente a quase duas cestas básicas (1,85).

Em abril, esse poder já recuou para 1,82. O economista-chefe da MB Associados, Sérgio Vale, observa que, em anos anteriores, no mês do reajuste e pelo menos nos três meses seguintes essa relação superava duas cestas. "O ganho real de quase 5 pontos não alterou tanto o poder de compra das famílias", afirma Vale. Para ele, com a tendência de aceleração nos preços de alimentos nos próximos meses, a relação entre salário e cesta básica deve se deteriorar mais, podendo chegar ao pico de baixa alcançado em janeiro deste ano, de 1,66.

O Dieese faz uma comparação semelhante e calcula quanto do mínimo é gasto com os alimentos básicos após o desconto para a Previdência Social. Em abril, a aquisição exigiu 52,84% do rendimento líquido, contra 50,53%, em março e 47,31%, em abril de 2007.

Outro estudo, feito pela RC Consultores, estima que o aumento nos preços da cesta básica neste ano comprometerá 10,1% da renda bruta das famílias, ante 9,2% no ano passado. A consultoria projeta um aumento no custo da cesta básica de 16,4% em 2008 - ele foi de 9,2% em 2007. O cálculo leva em consideração famílias que tenham um rendimento mental médio de R$ 1.220 e o valor corresponde a um reajuste na renda média nominal de 6,9% este ano.

Já os gastos com serviços de energia elétrica, telefonia, gás e transporte terão aumento mais modesto que no ano passado, de 2,95%, ante 6,95% registrados em 2007. Como o reajuste é inferior ao do rendimento médio nominal, o comprometimento da renda familiar com esses gastos também será menor, de 25,2%, ante 26,2% no ano passado. "Neste ano, a participação menor dos administrados no gasto das famílias vai compensar os gastos maiores com a cesta básica. Com isso, a renda disponível vai ficar praticamente estável, em 62,8%", observa Fábio Silveira, sócio da RC Consultores.

Já em 2009 a situação se inverte. O aumento nos preços da cesta básica deverá ser menor, de 3,7%, com o fim da escalada da inflação de alimentos, que no mercado internacional já dá sinais de estabilização, ainda que em patamares altos. Com o reajuste na renda de 5,3%, o peso da cesta básica terá impacto um pouco menor sobre a renda disponível, de 9,9%. Além disso, observa Silveira, após alta de 7,75% do IGP-M em 2007 e expectativa de que supere 10% neste ano, a alta nos administrados deverá ser maior, de 6,5%, o que implicará em impacto de 25,5% sobre a renda - o indicador é utilizado no cálculo de reajuste de alguns dos preços administrados.

O efeito desses itens sobre a renda disponível deverá comprometer 37,3% dos ganhos das famílias, deixando um índice de renda disponível de 62,7% - 0,1 ponto abaixo do estimado para 2008. "O que quero chamar a atenção é que a renda disponível está chegando no seu limite. Taxas de juros maiores, cesta básica mais cara, encurtamento dos prazos de pagamento de veículos e outros produtos de maior valor agregado, tudo isso vai comprometer a renda disponível nos próximos meses", diz Silveira.

Outro ponto preocupa Vale. Os itens da cesta básica que apresentaram as maiores altas são produtos que não têm substituto direto, como farinha de trigo, arroz e batata. "A inflação de alimentos não vai dar trégua no curto prazo. Mesmo o reajuste do salário mínimo não é suficiente para compensar a deterioração na renda causada pelos aumentos de preços da cesta básica. O que se ganhou em 2006 e 2007 está se perdendo agora. Vamos voltar ao padrão de 2005", afirma o economista.

A LCA Consultores revisou as suas projeções de rendimento disponível em função da inflação mais acelerada que o previsto. A massa real de salários (descontado o efeito da inflação) deve apresentar no ano um incremento de 5,4%, levando-se em conta um INPC de 5,1%. A estimativa anterior era de um aumento de 6% na massa real, com inflação de 4,5%. Os resultados apontam uma deterioração nos ganhos reais dos trabalhadores em relação ao ano passado. "A redução do crescimento do PIB para 4,6% em 2008 tem um efeito sobre essas estimativas. Mas, acima de tudo, é a expectativa de inflação mais salgada que impacta na renda disponível", afirma Fábio Romão, economista da LCA.

Algumas pesquisa recentes, realizadas por outras consultorias, corroboram a tese dos economistas. Levantamento realizado pela Latin Panel junto a 8,2 mil domicílios revela que as famílias comprometeram mais a renda no primeiro trimestre em relação ao mesmo intervalo de 2007, mas gastando menos com produtos de maior valor agregado - reflexo do aumento de gastos com itens de primeira necessidade, como arroz, feijão, carne, legumes e frutas, que são excluídos da base de avaliação.

O acompanhamento é feito semanalmente pela Latin Panel em municípios com mais de 10 mil habitantes, o que representa 82% da população domiciliar e 91% do potencial de consumo do país. A lista é composta por 75 categorias de produtos, entre alimentos, bebidas, produtos de higiene pessoal e limpeza doméstica. Segundo os últimos dados, no primeiro trimestre o volume de vendas desses itens se manteve estável, o que é avaliado como negativo pela gerente de atendimento da Latin Panel, Maria Andréa Ferreira Murat. "O crescimento vegetativo da população por si só provoca um aumento do consumo de 1%", ponderou.

Nas classes C, D e E, as compras domésticas registraram queda de 4% em relação ao primeiro trimestre do ano passado, com queda de 6% nas compras de alimentos, de 3% em bebidas e de 2% em itens de higiene pessoal. A inflação de alimentos teria sido a responsável pela redução do consumo, diz Maria.

Em São Paulo, a inflação mais acelerada ajudou a frear o consumo no primeiro trimestre, de acordo com a Federação do Comércio do Estado de São Paulo (Fecomercio-SP). O levantamento revelou que 18% dos consumidores consideraram o item alimentos como o que mais afetou o nível de endividamento, seguido por eletrodomésticos (16%) e vestuário (15%).

Fonte: Valor Econômico