Cibelle Bouças
28/05/2008
A inflação dos alimentos tende a comprometer mais a renda média disponível das famílias em 2008. A aceleração de preços da cesta básica, porém, deve ser compensada em parte por reajustes menores nas tarifas de serviços como energia elétrica, telefonia, gás e transporte. Em 2009, a situação se inverte e os preços administrados (reajustados com base no IGP-M) devem se acelerar e impactar mais a renda familiar, enquanto os preços de alimentos registrarão altas menores em comparação com as variações previstas para este ano.
O efeito corrosivo da inflação de alimentos sobre o poder de compra dos trabalhadores já apareceu nos quatro primeiros meses do ano, conforme análise da MB Associados. A consultoria traça um comparativo entre o preço médio da cesta básica, calculada pelo Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Sócio-econômicos (Dieese), e o salário mínimo. Em março, quando houve o reajuste do mínimo para R$ 415 - aumento de 9,2% e ganho real sobre a inflação dos 12 meses anteriores de 4,7% - , um salário era suficiente para comprar o equivalente a quase duas cestas básicas (1,85).
Em abril, esse poder já recuou para 1,82. O economista-chefe da MB Associados, Sérgio Vale, observa que, em anos anteriores, no mês do reajuste e pelo menos nos três meses seguintes essa relação superava duas cestas. "O ganho real de quase 5 pontos não alterou tanto o poder de compra das famílias", afirma Vale. Para ele, com a tendência de aceleração nos preços de alimentos nos próximos meses, a relação entre salário e cesta básica deve se deteriorar mais, podendo chegar ao pico de baixa alcançado em janeiro deste ano, de 1,66.
O Dieese faz uma comparação semelhante e calcula quanto do mínimo é gasto com os alimentos básicos após o desconto para a Previdência Social. Em abril, a aquisição exigiu 52,84% do rendimento líquido, contra 50,53%, em março e 47,31%, em abril de 2007.
Outro estudo, feito pela RC Consultores, estima que o aumento nos preços da cesta básica neste ano comprometerá 10,1% da renda bruta das famílias, ante 9,2% no ano passado. A consultoria projeta um aumento no custo da cesta básica de 16,4% em 2008 - ele foi de 9,2% em 2007. O cálculo leva em consideração famílias que tenham um rendimento mental médio de R$ 1.220 e o valor corresponde a um reajuste na renda média nominal de 6,9% este ano.
Já os gastos com serviços de energia elétrica, telefonia, gás e transporte terão aumento mais modesto que no ano passado, de 2,95%, ante 6,95% registrados em 2007. Como o reajuste é inferior ao do rendimento médio nominal, o comprometimento da renda familiar com esses gastos também será menor, de 25,2%, ante 26,2% no ano passado. "Neste ano, a participação menor dos administrados no gasto das famílias vai compensar os gastos maiores com a cesta básica. Com isso, a renda disponível vai ficar praticamente estável, em 62,8%", observa Fábio Silveira, sócio da RC Consultores.
Já em 2009 a situação se inverte. O aumento nos preços da cesta básica deverá ser menor, de 3,7%, com o fim da escalada da inflação de alimentos, que no mercado internacional já dá sinais de estabilização, ainda que em patamares altos. Com o reajuste na renda de 5,3%, o peso da cesta básica terá impacto um pouco menor sobre a renda disponível, de 9,9%. Além disso, observa Silveira, após alta de 7,75% do IGP-M em 2007 e expectativa de que supere 10% neste ano, a alta nos administrados deverá ser maior, de 6,5%, o que implicará em impacto de 25,5% sobre a renda - o indicador é utilizado no cálculo de reajuste de alguns dos preços administrados.
O efeito desses itens sobre a renda disponível deverá comprometer 37,3% dos ganhos das famílias, deixando um índice de renda disponível de 62,7% - 0,1 ponto abaixo do estimado para 2008. "O que quero chamar a atenção é que a renda disponível está chegando no seu limite. Taxas de juros maiores, cesta básica mais cara, encurtamento dos prazos de pagamento de veículos e outros produtos de maior valor agregado, tudo isso vai comprometer a renda disponível nos próximos meses", diz Silveira.
Outro ponto preocupa Vale. Os itens da cesta básica que apresentaram as maiores altas são produtos que não têm substituto direto, como farinha de trigo, arroz e batata. "A inflação de alimentos não vai dar trégua no curto prazo. Mesmo o reajuste do salário mínimo não é suficiente para compensar a deterioração na renda causada pelos aumentos de preços da cesta básica. O que se ganhou em 2006 e 2007 está se perdendo agora. Vamos voltar ao padrão de 2005", afirma o economista.
A LCA Consultores revisou as suas projeções de rendimento disponível em função da inflação mais acelerada que o previsto. A massa real de salários (descontado o efeito da inflação) deve apresentar no ano um incremento de 5,4%, levando-se em conta um INPC de 5,1%. A estimativa anterior era de um aumento de 6% na massa real, com inflação de 4,5%. Os resultados apontam uma deterioração nos ganhos reais dos trabalhadores em relação ao ano passado. "A redução do crescimento do PIB para 4,6% em 2008 tem um efeito sobre essas estimativas. Mas, acima de tudo, é a expectativa de inflação mais salgada que impacta na renda disponível", afirma Fábio Romão, economista da LCA.
Algumas pesquisa recentes, realizadas por outras consultorias, corroboram a tese dos economistas. Levantamento realizado pela Latin Panel junto a 8,2 mil domicílios revela que as famílias comprometeram mais a renda no primeiro trimestre em relação ao mesmo intervalo de 2007, mas gastando menos com produtos de maior valor agregado - reflexo do aumento de gastos com itens de primeira necessidade, como arroz, feijão, carne, legumes e frutas, que são excluídos da base de avaliação.
O acompanhamento é feito semanalmente pela Latin Panel em municípios com mais de 10 mil habitantes, o que representa 82% da população domiciliar e 91% do potencial de consumo do país. A lista é composta por 75 categorias de produtos, entre alimentos, bebidas, produtos de higiene pessoal e limpeza doméstica. Segundo os últimos dados, no primeiro trimestre o volume de vendas desses itens se manteve estável, o que é avaliado como negativo pela gerente de atendimento da Latin Panel, Maria Andréa Ferreira Murat. "O crescimento vegetativo da população por si só provoca um aumento do consumo de 1%", ponderou.
Nas classes C, D e E, as compras domésticas registraram queda de 4% em relação ao primeiro trimestre do ano passado, com queda de 6% nas compras de alimentos, de 3% em bebidas e de 2% em itens de higiene pessoal. A inflação de alimentos teria sido a responsável pela redução do consumo, diz Maria.
Em São Paulo, a inflação mais acelerada ajudou a frear o consumo no primeiro trimestre, de acordo com a Federação do Comércio do Estado de São Paulo (Fecomercio-SP). O levantamento revelou que 18% dos consumidores consideraram o item alimentos como o que mais afetou o nível de endividamento, seguido por eletrodomésticos (16%) e vestuário (15%).
Fonte: Valor Econômico
quarta-feira, 28 de maio de 2008
segunda-feira, 26 de maio de 2008
Fundos negociam até 8 vezes mesma safra
Investidores financeiros alavancam preços no mercado agrícola e elevam chances de riscos e ganhos para o produtor
No Brasil, o valor de negociação de produtos agrícolas subiu 64% no ano passado e 81% nos quatro primeiros meses deste ano
MAURO ZAFALON
DA REDAÇÃO (Folha de SP)
Risco maior e irracionalidade. Esses são os novos "perigos" para as negociações no mercado agrícola internacional. Os riscos são trazidos, em boa parte, por novos fundos que, em busca de diversificação de mercados para atuar, descobriram os agrícolas no momento em que a demanda por eles explode com o apetite voraz por alimentos dos mercados emergentes gigantes, como China e Índia. Essa inflação agrícola (já batizada de "agflação") vem gerando distúrbios sociais em países consumidores e ganhos em produtores, como o Brasil.
O ritmo acelerado de negociações no mercado futuro chega a girar 22 safras anuais de soja. Só os fundos são responsáveis por 8 dessas safras. Em 2007, o mercado futuro agrícola da Chicago Board of Trade negociou 7,3 bilhões de toneladas de milho, 4,3 bilhões de soja e 2,7 bilhões de trigo. A produção física desses produtos, em 2007, foi de 780 milhões, 220 milhões e 606 milhões de toneladas, respectivamente.
Volumes maiores de negociações esquentaram os preços, que passaram a ter variações bruscas, chamadas pelo mercado de "volatilidade". Essas oscilações seguem entradas e saídas dos fundos e trazem riscos.
Esses riscos, no entanto, não desagradam aos participantes do setor. Para os produtores, podem significar preços maiores. Para os investidores, a chance de uma margem maior de lucro nas operações. Para as Bolsas, maior liquidez, o que tornam ainda mais atraentes as operações nessas instituições.
Esse mercado voraz exige cada vez mais profissionalismo. Do contrário, empresas e produtores podem ser liquidados quando estiverem do lado errado da tendência do mercado. Foi o que ocorreu com empresas do Meio-Oeste dos EUA e do Centro-Oeste brasileiro. No caso brasileiro, uma tradicional empresa de Goiás não conseguiu honrar os compromissos no mercado de Chicago.
Os produtores brasileiros não ficaram isentos a essa volatilidade. No ano passado, negociaram parte da safra com valores até inferiores a US$ 9 por saca. A soja superou os US$ 30.
Um dos grandes produtores de soja de Mato Grosso vendeu a soja por valores inferiores a US$ 10 por saca e, na hora da entrega, rompeu os contratos. O caso foi para a Justiça.
Operações na BM&F
Não é só no exterior que aumentaram as operações agrícolas. A BM&F, agora BM&F Bovespa S.A., pode negociar US$ 45 bilhões neste ano no mercado agropecuário. No ano passado, foram US$ 24,3 bilhões. Em 2006, US$ 12,5 bilhões.
"O mercado atual é dominado por imprevisibilidade e irracionalidade impressionantes", diz Fernando Muraro, da Agência Rural. Há cinco anos, oferta, demanda, chuva e seca direcionavam os preços do mercado futuro de grãos. Nos últimos anos, se perdeu essa formação básica e "a volatilidade [dos preços], que historicamente era de 20%, foi a 50%", afirma.
Victor Abou Nehmi Filho, gerente da Sparta, administradora de fundos de investimento, diz que os fundos não influenciam nos preços finais do produto, "mas dão volatilidade". Os fundos operam sob as mesmas regras técnicas e públicas a que todos têm acesso. A entrada ou saída desses fundos no mercado pode, no entanto, provocar alterações bruscas nos preços, admite ele.
Ivan Wedekin, diretor de Produtos do Agronegócio e Energia da BM&F, concorda. "Os fundos não geram os fundamentos do mercado -aumentam ou diminuem a febre [dos preços]", que vem da oferta e da demanda.
"Os fundos não criam mercados, mas apenas vão onde existe liquidez. Quem cria os mercados são os "hedgers" -cooperativas, traders, exportadores etc.", diz Wedekin.
Muraro insiste em que os preços atuais têm algo mais do que oferta e demanda. "O mercado viveu, em 2007, com os maiores estoques de soja da história. Mesmo assim, os preços explodiram." Isso mostra o lado irracional do mercado, diz.
Além de oferta e demanda
O diretor da Agrural diz, ainda, que oferta e demanda não explicam o fato de a saca de soja subir de US$ 17,60, em agosto de 2007, para US$ 35, em fevereiro, na Bolsa de Chicago. Em abril, já recuava para US$ 24.
"Essa "financeirização" do mercado veio para ficar e pode gerar novo boom para as commodities", diz Muraro. Um desses sinais é a retomada de pressão dos preços do petróleo que, na sexta-feira, atingiram US$ 132 por barril em Nova York.
Apesar da imprevisibilidade e da irracionalidade do mercado, Muraro diz que a volatilidade não é ruim. Quem estiver no mercado tem de ser profissional para não ser atropelado.
É difícil mensurar, mas os volumes negociados no mercado futuro agropecuário são impressionantes. A alta se deve, em parte, aos novos milhares de fundos que se especializam em nichos, diz Muraro.
Começaram com ações na Dow Jones, passaram pela Nasdaq, migraram para as commodities minerais, petróleo e chegaram aos agrícolas.
Essas bruscas elevações de preços forçam produtores e empresas que trabalham no mercado físico a buscar saídas. Diz um operador que bancos e tradings já montam operações paralelas às de Chicago, em que as duas partes -fornecedor e usuário de matérias-primas- seguem a Bolsa, mas sem o pagamento dos ajustes diários, como os do mercado futuro.
No Brasil, o valor de negociação de produtos agrícolas subiu 64% no ano passado e 81% nos quatro primeiros meses deste ano
MAURO ZAFALON
DA REDAÇÃO (Folha de SP)
Risco maior e irracionalidade. Esses são os novos "perigos" para as negociações no mercado agrícola internacional. Os riscos são trazidos, em boa parte, por novos fundos que, em busca de diversificação de mercados para atuar, descobriram os agrícolas no momento em que a demanda por eles explode com o apetite voraz por alimentos dos mercados emergentes gigantes, como China e Índia. Essa inflação agrícola (já batizada de "agflação") vem gerando distúrbios sociais em países consumidores e ganhos em produtores, como o Brasil.
O ritmo acelerado de negociações no mercado futuro chega a girar 22 safras anuais de soja. Só os fundos são responsáveis por 8 dessas safras. Em 2007, o mercado futuro agrícola da Chicago Board of Trade negociou 7,3 bilhões de toneladas de milho, 4,3 bilhões de soja e 2,7 bilhões de trigo. A produção física desses produtos, em 2007, foi de 780 milhões, 220 milhões e 606 milhões de toneladas, respectivamente.
Volumes maiores de negociações esquentaram os preços, que passaram a ter variações bruscas, chamadas pelo mercado de "volatilidade". Essas oscilações seguem entradas e saídas dos fundos e trazem riscos.
Esses riscos, no entanto, não desagradam aos participantes do setor. Para os produtores, podem significar preços maiores. Para os investidores, a chance de uma margem maior de lucro nas operações. Para as Bolsas, maior liquidez, o que tornam ainda mais atraentes as operações nessas instituições.
Esse mercado voraz exige cada vez mais profissionalismo. Do contrário, empresas e produtores podem ser liquidados quando estiverem do lado errado da tendência do mercado. Foi o que ocorreu com empresas do Meio-Oeste dos EUA e do Centro-Oeste brasileiro. No caso brasileiro, uma tradicional empresa de Goiás não conseguiu honrar os compromissos no mercado de Chicago.
Os produtores brasileiros não ficaram isentos a essa volatilidade. No ano passado, negociaram parte da safra com valores até inferiores a US$ 9 por saca. A soja superou os US$ 30.
Um dos grandes produtores de soja de Mato Grosso vendeu a soja por valores inferiores a US$ 10 por saca e, na hora da entrega, rompeu os contratos. O caso foi para a Justiça.
Operações na BM&F
Não é só no exterior que aumentaram as operações agrícolas. A BM&F, agora BM&F Bovespa S.A., pode negociar US$ 45 bilhões neste ano no mercado agropecuário. No ano passado, foram US$ 24,3 bilhões. Em 2006, US$ 12,5 bilhões.
"O mercado atual é dominado por imprevisibilidade e irracionalidade impressionantes", diz Fernando Muraro, da Agência Rural. Há cinco anos, oferta, demanda, chuva e seca direcionavam os preços do mercado futuro de grãos. Nos últimos anos, se perdeu essa formação básica e "a volatilidade [dos preços], que historicamente era de 20%, foi a 50%", afirma.
Victor Abou Nehmi Filho, gerente da Sparta, administradora de fundos de investimento, diz que os fundos não influenciam nos preços finais do produto, "mas dão volatilidade". Os fundos operam sob as mesmas regras técnicas e públicas a que todos têm acesso. A entrada ou saída desses fundos no mercado pode, no entanto, provocar alterações bruscas nos preços, admite ele.
Ivan Wedekin, diretor de Produtos do Agronegócio e Energia da BM&F, concorda. "Os fundos não geram os fundamentos do mercado -aumentam ou diminuem a febre [dos preços]", que vem da oferta e da demanda.
"Os fundos não criam mercados, mas apenas vão onde existe liquidez. Quem cria os mercados são os "hedgers" -cooperativas, traders, exportadores etc.", diz Wedekin.
Muraro insiste em que os preços atuais têm algo mais do que oferta e demanda. "O mercado viveu, em 2007, com os maiores estoques de soja da história. Mesmo assim, os preços explodiram." Isso mostra o lado irracional do mercado, diz.
Além de oferta e demanda
O diretor da Agrural diz, ainda, que oferta e demanda não explicam o fato de a saca de soja subir de US$ 17,60, em agosto de 2007, para US$ 35, em fevereiro, na Bolsa de Chicago. Em abril, já recuava para US$ 24.
"Essa "financeirização" do mercado veio para ficar e pode gerar novo boom para as commodities", diz Muraro. Um desses sinais é a retomada de pressão dos preços do petróleo que, na sexta-feira, atingiram US$ 132 por barril em Nova York.
Apesar da imprevisibilidade e da irracionalidade do mercado, Muraro diz que a volatilidade não é ruim. Quem estiver no mercado tem de ser profissional para não ser atropelado.
É difícil mensurar, mas os volumes negociados no mercado futuro agropecuário são impressionantes. A alta se deve, em parte, aos novos milhares de fundos que se especializam em nichos, diz Muraro.
Começaram com ações na Dow Jones, passaram pela Nasdaq, migraram para as commodities minerais, petróleo e chegaram aos agrícolas.
Essas bruscas elevações de preços forçam produtores e empresas que trabalham no mercado físico a buscar saídas. Diz um operador que bancos e tradings já montam operações paralelas às de Chicago, em que as duas partes -fornecedor e usuário de matérias-primas- seguem a Bolsa, mas sem o pagamento dos ajustes diários, como os do mercado futuro.
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