segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

Qual o impacto da queda do preço do petróleo?

Tirado da Comunidade Luís Nassif Online. Clique aqui para ir para a comunidade


Daniel Yergin é um importante analista do mercado de energia, chairman da Cambridge Energy Research Associates (CERA) e ganhador de um prêmio Pulitzer pelo seu livro The Prize: the Epic Quest for Oil, Money, and Power.

Em um artigo publicado recentemente no Financial Times, Yergin aborda questões relevantes sobre as conseqüências econômicas e políticas da queda do preço do petróleo.

1 - Os preços do petróleo são um barômetro da economia mundial. O aumento dos preços entre 2003 e 2007 refletiu o maior crescimento econômico global em uma geração. Este elevado crescimento econômico chegou ao fim não só pela subavaliação de risco, excesso de liquidez e excesso de confiança, mas também por um insustentável boom de commodities, do qual o petróleo era uma parte crucial. Agora, como o mundo caiu em recessão, os preços do petróleo caíram em mais da metade.

2- Evidentemente, um "colapso" de preço para o intervalo de U $ 60 - $ 70 é apenas um colapso quando se esquece que a média dos preços do petróleo em 2007 foi de US $ 72 o barril (e de US $ 66 em 2006). O estreito equilíbrio entre a oferta e a demanda não foi o único fator a impulsionar a subida dos preços do petróleo. A última explosão nos preços do petróleo e de outras commodities começou no fim do Verão de 2007, com o enfraquecimento do dólar que gerou uma "fuga para as commodities".

3 - Os preços do petróleo continuaram crescendo ao longo de 2008 por um fator psicológico, que pode ser descrito como um "entusiasmo contagiante sobre as perspectivas do investimento", que se auto-reforçava e criava a sua própria realidade. Para que isto ocorresse era necessário assumir duas hipóteses equivocadas: 1) a crença no "descolamento"- que o resto do mundo estava imune a uma desaceleração econômica dos Estados Unidos -; b) que o preço não importava - que a oferta e a demanda não seriam afetadas pela elevação dos preços.

4 - O que era mais estranho quanto a este "entusiasmo contagiante" é que, enquanto os preços subiam, os “fundamentos energéticos” declinavam, juntamente com a economia global. O consumo de gasolina nos Estados Unidos atingiu o seu "pico de demanda" em 2007 e estava começando a declinar. Em bases globais, as estimativas para o crescimento da demanda para 2008 caíram de 2.1m barris por dia, no início do ano, para 200.000 barris por dia, agora. E talvez chegue a zero.

5 - O mercado mundial de petróleo está agarrado no que a Cambridge Energy Research Associates, há dois anos, descreveu como um cenário de recessão chamado "fissura global". A demanda de petróleo total nos Estados Unidos durante 2008 caiu 1m barris por dia em comparação com o ano passado. A última vez que a demanda caiu tanto foi em 1981, na véspera da recessão que era até agora conhecida como a "pior recessão desde a Grande Depressão".

6 - O que acontecerá com os preços do petróleo no cenário de “fissura global”? Um dos fatores determinantes mais importantes, tal como nos os aumentos de 2003-2007, é o ritmo do crescimento econômico global. Mas, desta vez, a questão é quão longa e profunda será a recessão e quão grande será o impacto sobre o gasto do consumidor. A outra questão crucial é o próprio abastecimento de petróleo. Quão grande será o fluxo de novas reservas de petróleo que foram estimuladas pelo aumento dos preços e estavam em desenvolvimento, mas foram adiadas pela falta de pessoal e equipamentos?

7 - A Baixa dos preços está forçando as empresas de energia a reduzir seus orçamentos e segurar a partida de alguns novos projetos. Isso irá fazer-se sentir em uma nova virada do ciclo, após uma recuperação econômica.

8 – Em contrapartida, as políticas energéticas da nova administração americana, tal como em outros países, darão uma ênfase maior à eficiência energética e às energias renováveis. Um “programa de estímulo verde” já está no topo da agenda de transição. Mas a questão mais preocupante que ronda Washington é: em que grau a redução dos preços irá impactar negativamente o investimento em energias renováveis e em eficiência.

9 - A resposta não será dada apenas pelo preço da energia, por mais importante que ele seja. O maior impacto virá a partir da saúde da economia, da situação fiscal do país e da disponibilidade de capital e de crédito. Com os custos de duas guerras e um grande resgate financeiro a ser feito, e com um sistema de crédito comprometido, os recursos para outros fins, são susceptíveis de serem restringidos.

10 - Em tais circunstâncias, algum tipo de cobrança ou de leilão para licenças de carbono pode de repente adquirir novos atrativos, não só para combater as alterações climáticas, mas como uma medida de aumento de receita de um governo federal que certamente precisa de dinheiro.

segunda-feira, 8 de setembro de 2008

A vingança dos heterodoxos

tirado do blog do nassif

Por Sérgio Léo, no Valor
(clique aqui)Analistas como Martin Wolff, do "Financial Times", já registraram, no início do ano, a morte do sonho liberal de um capitalismo global regido pelo livre mercado. Faltava um documento oficial para decretar o óbito. Essa certidão acaba de ser lavrada - pela mais heterodoxa das organizações econômicas multilaterais, a Unctad, sigla em inglês da Conferência das Nações Unidas para o Comércio e Desenvolvimento.
(...) Os economistas da ONU tiraram do limbo peritos de linha heterodoxa, como o neokeynesiano Nicholas Kaldor, para decretar o que chamam de "fracasso do modelo neoclássico", predominante no Ocidente.
"Embora a maioria dos economistas concorde que os pressupostos do modelo neoclássico estão longe da realidade, este modelo continua a servir de base para as prescrições de política econômica", acusa a agência da ONU, no seu recém-lançado Informe de Comércio e Desenvolvimento 2008. O documento combate prescrições do modelo neoclássico que considera baseadas em premissas equivocadas e potencialmente danosas. Entre as premissas, está a de que os preços são sinais claros do mercado para corrigir distorções de oferta e demanda. A Unctad também combate a idéia de que o investimento para aumentar a produção tem de ser precedido pelo acúmulo de poupança. Contra a teoria tradicional, por exemplo, os países em desenvolvimento com mais investimentos são os que enviam ao exterior mais poupança do que recebem, nota o Informe.
Ao lado de questionamentos teóricos sobre a teoria neoclássica de formação preços, o documento menciona os problemas criados com a influência das expectativas nos mercados financeiro sobre os mercados de mercadorias e a produção real. Os economistas da Unctad não sabem dizer o quanto a especulação influencia a atual alta de preços de mercadorias, mas comentam que a lógica de uma parte substancial dos mercados de futuros e hedge hoje descolou do terreno produtivo e atende a decisões de "diversificação de portfólios de investidores".
Em linguagem um pouco mais simples (só um pouco; nada no mundo atual é simples como se gostaria): ao notarem riscos maiores nos mercados de títulos, ou de ações, por exemplo, uma parte crescente de investidores do mercado financeiro tem diversificado aplicações comprando contratos de mercadorias no mercado futuro.
Esses operadores não mudam de posições (comprando contratos ou vendendo os que têm) em função apenas da expectativa de mudança nos preços das mercadorias; só mexem em suas carteiras com base no que acontece nos outros mercados. A alteração no humor de investidores ganha efeito desproporcional no mercado de commodities.
"Em vez de reduzir riscos, os complexos instrumentos financeiros desenvolvidos recentemente têm servido para espalhar o impacto de investimentos arriscados através de continentes, instituições e mercados", alerta a Unctad. A interpenetração dos mercados financeiro e de mercadorias e a arbitragem com juros e taxas de câmbio provocam movimentos que contrariam o saber convencional: países com grandes déficits nas contas externas no Leste Europeu vêem suas moedas se valorizarem e países com grandes superávits em conta corrente, como Japão e Suíça sofrem desvalorizações. Políticas baseadas nos pressupostos tradicionais podem exacerbar a crise, acreditam os economistas da ONU. (continua)

terça-feira, 15 de julho de 2008

O risco da deflaççao mundial

15/07/08 07:00

Coluna Econômica - 15/08/2008

A Bloomberg chama a atenção para o novo risco da economia mundial: a deflação, isto é, a queda generalizad de preços. Entrevistou Albert Edwards, analista do Société Générale SA que previu a crise cambial da Ásia há uma década.

O alerta de Edwards para os Bancos Centrais mundiais, é de que a deflação poderá se transformar no próximo fantasma da crise internacional. "A preocupação com a inflação é exagerada e a ameaça da deflação pode reaparecer, estimulada pela recessão mundial e pelo colapso da bolha das commodities", disse Edwards, 47, que trabalha em Londres.

Segundo a Bloomberg, Edwards foi considerado pela Thomson Extel o melhor estrategista mundial da Europa nos últimos sete anos. Essa mesma posição foi externada há duas semanas pelo Banco de Compensações Internacionais (BIS), o banco central dos bancos centrais.

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Esse é o risco maior, pouco apontado pelos analistas. Toda crise financeira decorre de uma exacerbação da liquidez. Tem-se os ativos financeiros de um lado, os ativos reais do outro. O movimento de compra dos ativos determina seu preço.

Se o volume de ativos financeiros aumenta substancialmente, existe um aumento nos ativos reais (os bens que podem ser comprados), muitas vezes mais que proporcional (no fenômeno das "bolhas").

Esse movimento se dá via redução dos juros (por excesso de dinheiro disponível) que impacta os cálculos sobre o fluxo de resultados futuros da companhia: se aceito receber menos juros, significa que aceito pagar um preço maior pelos ativos. Esse movimento produziu altas substanciais no preço dos ativos mundiais.

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Há um componente novo na parada, que é o aumento da demanda mundial de produtos provocado pelo fator China. Mesmo assim, o componente financeiro mantém enorme influência nos preços dos ativos. Além disso, com o mercado de derivativos, ficou extremamente difícil controlar a expansão da liquidez. Pois não se montou uma zorra justamente em cima de um dos financiamentos mais estáveis, o crédito imobiliário?

O problema dessas crises de liquidez é que se comportam como o canhão que se desprende da corrente do navio em plena tempestade: ninguém sabe para onde vai. Os movimentos de manada são terríveis. Ora se corre para um lado, ora para o outro.

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Em geral, caberia ao sistema dos maiores bancos centrais – FED, BCE, Banco da Inglaterra – coordenar essas expectativas. Mas a crise os deixou sem rumo, presos ao dilema de ou combater a inflação (provocando a deflação) ou combater a recessão (correndo risco de perder controle da inflação).

Quando se somam todos esses fatores, fica cada mais forte a hipótese da solução vir de forma traumática, na forma de uma deflação brava em cima da bolha. E aí, segundo a Bloomberg, bateria direto nas commodities internacionais.

Hoje em dia, o superávit brasileiro da balança comercial é inteirada calcada nos commodities, especialmente na alta dos preços. Daí a importância de se montar um plano de contingência para o caso de uma queda acentuada das cotações.

Fonte: http://www.projetobr.com.br/web/blog/6

terça-feira, 1 de julho de 2008

'O capitalismo está desgovernado'

O economista Luiz Gonzaga Belluzo é um homem muito preocupado com a conjuntura internacional e seus reflexos sobre o Brasil. Acha que a crise na economia americana está longe do fim e que exigirá um reformulação na ordem econômica mundial, em moldes preconizados há décadas por John Maynard Keynes, um dos pais da macroeconomia, de forma a impedir que o mundo fique à mercê de flutuações de mercado, como no caso da inflação no preço dos alimentos. Participa de um seleto grupo de personalidades que mantém discussões informais, mediadas pelo presidente Lula, sobre a situação da economia nacional e internacional.


Jornal do Brasil, 29-06-2008.


Na semana depois de falar sobre O capitalismo financeiro global na entrada do século XXI, no auditório do Ipea, no Rio, já no táxi rumo ao aeroporto para voltar a São Paulo, foi apresentado ao motorista:

– Este é o homem que queria caçar o boi no pasto na época do Plano Cruzado...

– Não, eu era contra. Eu queria era quebrar os caras que operavam no mercado de papel, vendendo pesado para acabar com eles. Mas não fui ouvido – disse Belluzzo.


Eis a entrevista.



Dificuldades nos EUA


"Diante da crise que aconteceu e que ainda não terminou nos Estados Unidos, é muito provável que tenhamos pela frente um período difícil de reformas e resistência às reformas. Não está muito claro que tipo de política econômica será executada nos EUA, nem quais interesses ela vai atender, ou quais interesses ela vai ferir".


Risco sem aviso


"Se há uma percepção por parte dos mercados de que é insustentável a situação do balanço de pagamentos, eles não esperam você exaurir suas reservas. Eles saem com tal rapidez que eles mesmos promovem a exaustão das reservas. Tenho este temor, por exemplo, diante da hipótese de, no ano que vem, apresentarmos déficit na balança comercial, o que não é uma impossibilidade. Se nos aproximarmos dessa situação, uma desvalorização abrupta seria precipitada pelos investidores que se antecipam e saem antes".


Busca de rumos


"Vamos ter uma grande discussão nos próximos anos a respeito de como regulamentar este sistema financeiro que está aí, à solta. Será necessário um movimento de desconstrução do capitalismo desgovernado, e isto não vai ser resolvido pela razão econômica. Estamos num momento importante de mudanças, que não vai depender da sabedoria dos economistas, que talvez só ajudem marginalmente, sugerindo soluções para as forças sociais em jogo".


Bolha hipotecária 1


"A história prova que estes processos especulativos que observamos não podem sustentar-se sem que se emita crédito bancário para seu suporte. Nos EUA, no caso das hipotecas, os bancos emitiam os certificados chamados CDOs ( Credit Debt Obligations) com base no crédito original. Como não havia regulamentação ou controle, começaram a catar na rua tomadores para os chamados créditos ninja (no income, no job, no assets) , porque o titular do crédito não tinha salário, trabalho ou bens de garantia".


Bolha hipotecária 2


"Depois da valorização anormal das bolsas, que durou de 1995 a 2001, mais ou menos, ficou evidente que a lógica desse período é que a valorização dos ativos comanda o consumo. Mas a bolha mesmo ocorreu com as hipotecas imobiliárias. Este processo produziu um efeito assustador, que é a relação dívida/renda disponível. Na crise de 1929, esta relação era de 45%. Hoje nos EUA, esta relação chega a 140% e, entre os 60% mais pobres, chega a 300%. Esta situação exigirá muito tempo para ser digerida. Há a suposição de que tudo continuará como antes, depois de o banco central americano ter evitado o crash do sistema financeiro. Então nada será como antes, pois o grau de endividamento das família é uma coisa brutal. E o pior é que a taxa de desemprego americana começou a subir. E isto terá reflexos sobre o consumo que passou a ser o elemento mais dinâmico do crescimento do capitalismo".


Imprevisão


"Depois da euforia das hipotecas e da valorização em progressão geométrica dos preços dos imóveis nos EUA, surgiu algo que não tinha sido previsto pelas agências classificadoras de risco, que apontavam como bons, com a denominação AAA, os títulos hipotecários: o preço das casas começou a cair, porque o estoque começou a crescer mais rapidamente do que a demanda. Isto afetou diretamente aqueles que já não estavam comprando casas para morar, mas para especular, e que usavam as casas como garantia de crédito para consumo de outros bens".


Especulação


"Não se pode deixar que os mercados financeiros tentem recuperar suas perdas em cima da crise subprime, porque há posições especulativas muito fortes com os índices dos preços das commodities".


China & EUA


"A dependência dos americanos diante das importações chinesas é muito grande. Mas o modelo sino-americano está num momento difícil, porque não se pode continuar com o mesmo padrão de consumo de energia e alimentos. Será necessário um mecanismo de controle, sobretudo para formação de estoques reguladores para os preços dos produtos agrícolas".


"Há risco de levarmos uma lambada"
A situação do Brasil


"O Brasil nunca esteve numa situação mais resguardada contra riscos econômicos do que hoje. Mas tem que ficar de olho no balanço de pagamentos e na inflação e é isto, em boa medida, o que o governo está fazendo. Temos reservas, mas não podemos esquecer que temos também ativos líquidos que podem ser convertidos rapidamente. E não podemos nos iludir: não são os estrangeiros que saem primeiro, são os brasileiros que vão para outros ativos na moeda reserva. Agora corremos o risco de o Fed (banco central americano) subir a taxa de juros e nós levarmos uma lambada no câmbio. Além disso, num caso de agravamento da crise nos Estados Unidos sofreríamos conseqüências, porque haveria uma queda nos preços das commodities, que hoje sustentam nossas exportações. Aí, teríamos de nos proteger".


Risco potencial


"Há quem diga que o câmbio flutuante atenua situações de risco, pode atenuar movimentos de fuga de capitais. Eu tenho cá minhas dúvidas. A idéia de que o câmbio atenue este movimento está relacionada com o papel que ele pode ter numa situação em que não haja uma integração financeira tão grande como há hoje. Os mercados financeiros se ajustam muito mais rapidamente do que os mercados reais, comércio e produção. Então, se há um estoque de ativos líquidos domésticos muito alto, como hoje no Brasil, há risco potencial de desvalorização, independentemente de a taxa ser fixa ou flutuante".


Desindustrialização


"Alguns setores da indústria brasileira estão sendo muito afetados pela valorização do real, como o metal-mecânico e eletro-eletrônico e todos os que agora estão em déficit com a queda das exportações de manufaturas. O setor de bens de capital também está muito afetado no Brasil, a despeito do crescimento das taxas de investimento, pois as importações estão crescendo muito acima da produção doméstica. Os incentivos à importação estão atrofiando o setor de bens de capital em termos tecnológicos. Isto é uma coisa muito séria, e as conseqüências aparecem a longo prazo".


Restrição no crédito


"É necessário que se coloque alguma exigência de capital adicional em cima de alguns empréstimos, sobretudo para bens duráveis, para evitar que se adote uma medida geral de aumento dos depósitos compulsórios dos bancos no Banco Central. Isto prejudicaria as empresas ao afetar o giro do estoque de crédito. Teriam que ser adotadas medidas mais pontuais, que não são difíceis de tomar. Basta ter a vontade, porque isto é coisa costumeira em outros países".


Keynes atual


"No volume 27 das obras completas de Keynes encontra-se uma proposta extremamente contemporânea. Ele tinha como idéia fundamental, depois do crash dos anos 30, que o dinheiro, a energia e os alimentos não podiam ser deixados à administração do mercado. Defendia uma moeda internacional, com uma administração centralizada, a criação de um comitê para impedir flutuações excessivas nas cotações das matérias-primas e tinha um plano bem elaborado que previa que os preços fossem mudando ao longo do tempo.

"O que ele propôs foi o controle da finança, ou seja, a chamada repressão financeira, que é o estabelecimento de normas, regras e critérios prudenciais que impedissem que o sistema reproduzisse as práticas que levaram ao crash de 1929. Do ponto de vista dele, estas práticas começavam pela permissão para que os capitais se movimentassem livremente entre os países".


Rota de fuga


A crise nos Estados Unidos forçou os bancos de investimento a procurarem rendimentos mais altos. E buscaram países com taxas de juros mais altas, como aqui no Brasil, que tem lugar de honra no pódio dos juros altos. Além disso, a moeda se valorizava, e eles ganhavam duas vezes. Eu cheguei a ousar dizer isto ao presidente do BC: o problema não é aumentar os juros, o problema é aumentar uma taxa de juros que já era muito alta. Então, o Brasil pagou um preço por isto; o real valorizou-se muito e o resultado aí está: o primeiro déficit da indústria brasileira global, redução do superávit comercial (em julho, 47% abaixo do registrado no mesmo mês do ano passado), e aumento do déficit em conta corrente (a previsão do Banco Central para o ano foi elevada de US$ 12 bilhões para US$ 21 bilhões), configurando o pior resultado desde 2001, chegando a cerca de 1,5% do produto Interno Bruto. Boa parte desse aumento do déficit em conta corrente decorre da remessa de lucros e dividendos por investidores estrangeiros, que cresceu desmesuradamente, aproveitando o câmbio favorável para isto. (US$ 15 bilhões de janeiro a maio, quase o dobro do registrado no mesmo período do ano passado). O déficit na balança de turismo é assustador (US$ 4,5 bilhões até maio gastos por brasileiros no exterior, contra US$ 2,4 bilhões de gastos de estrangeiros no país)".


Ação nos derivativos


"Sobre o fluxo de capitais, tenho informações de que está relativamente baixo. E o Banco Central está comprando até acima do fluxo. O problema é que os investidores fazem operações com câmbio e juros nos mercados futuros. Então, não adianta o governo aumentar a aquisição de dólares, a menos que estimule a entrada por outra razão. Mas ele vai ter que operar com outros instrumentos, que afetem estas taxas de relação câmbio/juros, o cupom cambial, operando no mercado futuro com swaps e swaps reversos (operações complexas com potenciais taxas de valorização/desvalorização da moeda e dos juros e que, segundo o BC totalizam hoje algo em torno de US$ 23 bilhões) para forçar a valorização do dólar frente ao real. O governo tem que fazer estas operações, porque esta é a realidade dos mercados financeiros. Mas é preciso reconhecer que é difícil remar contra a maré quando a taxa de juros está muito alta e é muito difícil para o BC reverter as posições dos agentes, sobretudo dos bancos".


Abalo à vista?


"Não sei se há possibilidade de um abalo maior, a curto prazo, nos Estados Unidos. Até agora, os bancos centrais estão conseguindo impedir maiores turbulências. Mas os americanos vão ter que resolver a questão do estoque de dívida das famílias, o que não é uma coisa pacífica. Mas se eles não resolverem isto, a economia não terá força para crescer. Ficarão como o Japão nos anos 90, com a economia estagnada".


Obama & Roosevelt


"A eleição de Obama nos Estados Unidos não me entusiasma nem um pouco, porque não se trata de uma pessoa, mas de uma força social que está sendo gestada nos EUA, diante dessas famílias que já perderam ou ainda vão perder suas casas para morar em traillers, que vão ter que passar por um duro período de ajustamento. Aí lembro da difícil luta política do
Roosevelt para levar adiante as reformas que concebeu durante a grande recessão e crise brutal posterior ao crash da Bolsa de Nova York em 1929. Não sei dizer se os Estados Unidos de hoje são melhores do que naquele tempo, mas desconfio que não, mesmo lutando contra o pessimismo, porque tenho dois filhos adolescentes".


Meta de gasto


"Recentemente me atribuíram a autoria de sugestão sobre uma meta de gasto público diretamente ligada ao crescimento do Produto Interno Bruto. Na verdade, eu só me referia a uma sugestão do Armínio Fraga. Esta é uma das formas de controlar a demanda agregada, que está excessivamente estimulada neste momento. Mas ela não basta em si mesma. O que eu sugeri foi um aumento no superávit primário, portanto esterilização de recursos fiscais. Ou seja, reduzir a velocidade de crescimento do gasto público. É verdade que isto significa reduzir o investimento, por isto seria recomendável que o governo tivesse – como procurou ter, mas não conseguiu – um orçamento de investimentos que ficasse preservado e reduzisse os gastos correntes na medida do possível".


Lições do passado


"Numa reunião do Fundo Monetário Internacional, no ano de 1979, em Belgrado, onde estava por acaso, os europeus fizeram uma proposta para substituir o dólar como reserva internacional por um ativo emitido pelo FMI, lastreado numa cesta de moedas, de acordo com a participação de cada um no comércio internacional. Os americanos não acharam aquilo nem um pouco engraçado e abandonaram a reunião no meio. Nosso amigo Paul Volker, então presidente do Fed, deve ter pensado: "Vocês estão querendo estabelecer uma ameaça ao dólar? Então vou mostrar quem tem poder". E, um dia depois de ter abandonado a reunião, elevou a taxa de juros de 6% para 12%. E, pouco tempo depois, para 14% e 21%. E nos quebrou. E os europeus tiveram de ajoelhar no milho. Com isto, os Estados Unidos recuperaram a hegemonia do dólar e também o domínio dos mercados financeiros americanos sobre o resto do mundo. Essa é a origem da desregulamentação e da globalização financeira. O
Reagan valorizou brutalmente o dólar, sugou capitais de fora. Aqui, vivemos a década perdida. Nossas agruras deviam-se em boa parte ao fato de que tínhamos uma inflação alta, uma dívida externa imanejável, uma crise fiscal. Nessa penada, os EUA aumentaram brutalmente o déficit americano, que era uma brincadeira perto do que é hoje. Era 3% e hoje chegou perto de 7% do PIB. Corremos o risco de sermos ajustados pelo déficit americano. Hoje, as exportações brasileiras são apenas 15% do que foram no ano passado".


Companheiro Delfim


"Numa entrevista recente à Folha de São Paulo falaram que haveria um ministério do bem referência a um grupo que debate questões importantes com o presidente da República. Não há nada disso. São apenas encontros informais em que estas questões todas são discutidas com a maior abertura, sem restrição de tema. Quanto à convivência com o Delfim Netto (czar da economia durante boa parte do regime militar), ele é um aliado importantíssimo. Convivo com ele há muito tempo e temos opiniões muito parecidas. O Delfim nunca foi um ortodoxo monetarista".


Mais valia à chinesa


"A China já é uma economia que tem seu dinamismo puxado pelas exportações. Primeiro com produtos baratos, depois com graduação tecnológica das exportações. Exatamente como fizeram os japoneses há muitos anos: primeiro com radinhos baratos, depois com equipamentos eletrônicos sofisticados, competindo com os americanos hoje até no setor de automóveis. Só que a escala de transformação da China é muito maior. Isto permitiu que os americanos convivessem, sobretudo depois de 1995, com salários e rendimentos médios caindo, elevação do endividamento e com uma economia com grande desajuste, em que a demanda nominal, por conta do crédito, crescia à frente da renda e da produção. Sobre isto, brinquei com uns amigos do
PCdoB que ficaram indignados: é a mais valia, a produtividade do trabalhador chinês, que permitiu o aumento do consumo nos EUA e a acumulação de reservas que, recicladas, servem para financiar o déficit do balanço de pagamentos americano, comprando títulos públicos e privados".


Uma ciência triste


"Acho que eu preferiria ser saxofonista, tocar sax tenor. Pelo menos assim daria alegria às pessoas. O problema do economista é que ele sempre tem que prever as coisas ruins, falar dos riscos, de crises. A economia, como dizia Carlile, é uma ciência triste".



Postado a pedido do professor.

sexta-feira, 27 de junho de 2008

Agora que o semestre acabou eu posso dizer:

bate forte o tamboooor, eu quero é tique-tique-tique-tique-táaaaa!
Agora que o semestre acabou eu posso dizer:

pra mim, vozes internas é aquela feijoada me lembrando que eu almocei ela.

segunda-feira, 23 de junho de 2008

Conselhos de um veterano de guerra

Formado em física, jornalista profissional e crítico por natureza, Bernardo Kucinski conta sobre o que aprendeu durante décadas de carreira. “Jamais critique um colega. Ele não vai entender.”

Por Giovana Romani (Nº USP 5392182)

Bernardo Kucinski pertence à panelinha dos lulistas. E também à dos professores da Escola de Comunicação e Artes da USP. Isso está longe de ser um problema. Pelo contrário. Durante um bate-papo com estudantes de jornalismo da universidade, no último dia 12, ele afirmou que fazer parte de um grupo com interesses similares, além de manter um bom relacionamento com todos os colegas, é necessário dentro do jornalismo. Curiosamente, foi até indagado por uma aluna. “Professor, e como eu faço para entrar em uma panelinha?”. São estratégias de sobrevivência de um veterano de guerra que não sucumbiu ao regime militar e às mazelas político-sociais do país. Sem hipocrisia e fórmulas prontas, o experiente jornalista sabe hipnotizar uma platéia contando os percalços da profissão e casos exemplares de sua trajetória.

Especialista em economia e ex-professor da USP (aposentou-se no fim de 2007), Kucinski foi por muitas vezes injustiçado. Talvez devido ao espírito crítico que fala mais alto até numa conversa informal com aspirantes a jornalistas. Na ocasião criticou os estudantes de jornalismo, a grande imprensa e o jornalismo cívico. Tudo com muito fundamento e eloqüência, que fique claro. Kucinski pode ser considerado, inclusive, um expert em críticas. Só ao presidente Lula ele as fez por quase dez anos. E com permissão oficial. Kucinski, colaborador de longa data do Partido dos Trabalhadores, foi assessor especial da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República entre 2003 e 2006. Sua função no governo era fornecer ao presidente uma análise crítica de sua relação com a mídia. “Mas jamais critique o texto de um colega jornalista”, alerta. “Há muita vaidade nesse meio.” Interessante a moral implícita na história, não é? O presidente da República pode até aceitar críticas. Um jornalista, nunca (ou raramente).

Os conselhos, que podem até assustar os desavisados, não param por aí. Afinal, não é só de vaidade que sobrevive o jornalismo atual. No setor econômico, por exemplo, muitas vezes a compreensão do texto é difícil para os não iniciados. Nesses casos, a responsabilidade é dos próprios jornalistas. “Antes de escrever uma matéria é preciso estudar o assunto e entendê-lo completamente”, explica Kucinski. “Assim fica fácil traduzir as expressões típicas de determinada área. Quem fala difícil é porque não entendeu nada.” Outro problema é a falta de ética. “Há muito desrespeito pelas fontes e leitores”, avalia o jornalista. Ele tem razão. Acusações infundadas ou ainda sem comprovação sobre pessoas públicas ou anônimas pipocam na imprensa sem limite. Para fugir disso, a solução indicada por ele não é mirabolante ou impraticável. “Seja correto”, diz o intelectual, com a mesma simplicidade com que pede uma carona ao bairro de Pinheiros após tantas lições.

sexta-feira, 20 de junho de 2008

O fazer jornalístico de Kucinski

Em palestra realizada em 12 de junho, Bernardo Kucinski relatou sua experiência como jornalista e afirmou ser possível ter um jornalismo econômico brasileiro


[Por Vanessa Maeji]

Aprender a ser dentro de suas possibilidades. É em torno disso que o jornalista Bernardo Kucinski apresentou sua palestra, no último dia 12, para os alunos de jornalismo da ECA-USP. Kucinski, que até ano passado dava aulas no curso, pôde ter um contato além da relação autor-leitor com os estudantes, já que um livro de sua autoria, Jornalismo Econômico, foi texto-base para uma das disciplinas de graduação. Talvez por seu saber econômico já ser, teoricamente, conhecido pelos alunos que o foco não tenha sido a economia em si e centrou-se mais no fazer jornalístico.


Como não podia faltar, Bernardo Kucinski deu algumas dicas práticas sobre a profissão, como evitar críticas a colegas, da necessidade de fazer parte de grupos, fora dos quais “é difícil sobreviver”, e a ser correto com fontes e com o que se escreve – em outras palavras, abusar do “fair play”.


No entanto, saber lidar com as próprias etapas, para Kucinski, é essencial no jornalismo. Ele lamentou haver o jovem protótipo de jornalista que já possui um ceticismo tamanho frente ao que faz. “Ninguém precisa ser jornalista”, afirmou. Mas declarou que este profissional deve ter a “dupla capacidade de se maravilhar e se indignar”. Ele acredita que o melhor caminho talvez seja começar a profissão em veículos que permitem maior liberdade e que, assim, o jornalista possa se lapidar e aprofundar seus aprendizados sem se preocupar em seguir as regras da casa, antes de sofrer o que Kucinski considera uma espécie de “domesticação”.


E esta posição de humildade em aceitar seus próprios desconhecimentos (e que, em verdade, tem um fundo egocêntrico), remete ao papel do jornalismo econômico do Brasil no cenário mundial. O professor ressaltou a inexistência deste tipo de jornalismo brasileiro, pois afirmou ser “de fora e fora de contexto” o que se conhece sob o nome de “jornalismo econômico”. É um processo similar ao que acontece com países periféricos quando se adquire o hábito sem haver produção – o que pode ser prejudicial. O professor acredita que tentar se inserir na economia sem, de fato, conhecer do que se é capaz pode se tornar um empecilho. O Brasil, por exemplo, não deve ter a mesma dinâmica nas teorias econômicas daquela de países centrais – apesar de ser afetado por elas –, pois sua economia tem características diferentes.


Saber que o subdesenvolvimento não é um estágio do desenvolvimento e que um país não necessariamente avança para o último pode ser importante para se posicionar na economia global – dentro do que o país pode ser. Aceitar o aprendizado e tempo das etapas e ter consciência que elas não farão com que se torne um país central podem ser fator decisivo na constituição de uma teoria da economia propriamente brasileira. Dessa mesma forma, ter noção de que seja muito provável que não se alcance veículos maiores não diminui a importância de ter um by line, uma autoria e responsabilidade naquilo que se faz.

quinta-feira, 19 de junho de 2008

Kucinski critica ignorância no jornalismo econômico

Ugo Pozo (Nº USP: 4903258)

O jargão econômico seria uma forma de esconder a ignorância dos atuais jornalistas da área de economia, de acordo com Bernardo Kucinski. O veterano jornalista econômico, ex-professor e ex-assessor de comunicação do presidente Lula esteve na Escola de Comunicações e Artes, na Universidade de São Paulo, e, em palestra ministrada no dia 12 de junho, fez duras críticas à forma como o jornalismo é conduzido atualmente no país.

Para Kucinski, boa parte dos jornalistas da área econômica atualmente não possuem compreensão plena dos processos que noticiam. Isso os levaria a se apoiarem no denso jargão econômico para tratar de assuntos que não são capazes de explicar de uma forma clara.

O jornalista, porém, é contra a simplificação exagerada. “Não se deve diminuir o nível de complexidade dos processos, e sim utilizar uma linguagem simples para explicar processos complexos”, afirma. Como exemplo, Kucinski citou uma série de matérias que realizou para a Gazeta Mercantil, durante o segundo choque do petróleo, em que traduzia em termos claros o desenrolar da crise.

“Espião do Mossad”

Kucinski também fez comentários a respeito de sua reportagem considerada mais polêmica: o caso do urânio que o Brasil vendeu ao Iraque, em 1981. “Como isso foi logo depois de Israel ter bombardeado o Iraque, no dia seguinte, os outros jornais, que não tinham condições de ir contra o poder instituído, saíram publicando que eu era um ‘espião do Mossad’ [serviço secreto israelense].”

Entretanto, Kucinski, que é graduado em física, tinha acesso a círculos de físicos brasileiros, em que a venda era tratada até mesmo com naturalidade. “O Estadão não quis se envolver diretamente comigo, mas me ajudou porque veio aqui no IPEN [Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares], de onde saíam os caminhões carregados de urânio, e fez uma matéria completa, irrefutável”.

O fim do “monopólio da mediação” do jornalista

Outro tema abordado por Kucinski foi o surgimento de novas mídias e as conseqüências para o jornalismo impresso. Categórico, cravou que “o jornalismo escrito não vai morrer”, mas que o jornalista teria perdido o “monopólio da mediação da informação”.
“Há alguns anos atrás, a [Rede] Globo [de Televisão] tinha em seu cadastro cerca de 20 mil cinegrafistas amadores. Hoje, [com a popularização da Internet e das câmeras digitais], quantos não devem ser?”, conjecturou.

Para ele, a Internet é revolucionária e libertária, e traria a democratização para a área da comunicação. “Antes, o jornalista esperava pelo retorno de seus pares, como um editor que colocasse sua matéria na capa. Hoje, o retorno vem direto do leitor”, exemplificou.

Kucinski: "Nunca critique um colega de profissão”

Veterano do jornalismo econômico fala para estudantes sobre os percalços da profissão na prática.

por André Cabette Fábio

Quinta-feira, dia 12 junho Bernardo Kucinski se dirigiu a uma turma de 30 alunos do segundo ano de Jornalismo da USP. No lugar da aula de Jornalismo Econômico, matéria que o próprio costumava passar e que normalmente ocorre às quintas, ocorreu uma palestra com o jornalista veterano. O comparecimento dos alunos foi incomumente alto para os padrões da turma de jornalismo noturno de 2007.

Kucinski começa a palestra fazendo algumas considerações a respeito da cobertura econômica atual, em particular a respeito da volta da inflação. Para o jornalista, a cobertura que a mídia tem feito do assunto é omissa. “Todo mundo aqui [no Brasil] entende muito de inflação”, mesmo assim, diz, uma distinção importantíssima é deixada de lado. Ele ressalta que o que vemos atualmente é uma inflação causada por aumento de custos e não de demanda. Uma inflação de demanda é proveniente do aumento do ritmo de consumo maior que o ritmo de produção. Uma inflação de custos, por sua vez, é causada pelo aumento dos custos de produção, no caso isso acontece com o alardeado aumento dos preços das commodities. “é importante essa distinção porque elas [as formas de inflação] exigem remédios totalmente diferentes”. Uma saída para uma inflação de demanda é o “confisco” do dinheiro do consumidor, ou seja, diminuir seu poder de compra e, conseqüentemente, a demanda em si, daí o aumento dos juros. Para uma inflação de custos, no entanto, isso não faz sentido, “é um remédio totalmente oposto”. Nesse caso, o poder de consumo da população não é a raiz do problema, diminuí-lo com juros não seria uma solução. Pra Kucinski, a imprensa estaria omitindo essa discussão pois “é interesse dos bancos aproveitar essa crise pra retomar um processo de elevação dos juros”.

A maior parte da palestra, no entanto, não foi dedicada à cobertura econômica. Kucinski aproveitou a hora e meia que teve com os futuros jornalistas para passar um pouco da experiência de seus vários anos de carreira. É um retrato realista e um tanto desiludido da profissão, vindo de um homem que diz ter brigado com todo tipo de redação possível – Kucinski diz que resolveu prestar concurso para professor da USP depois que brigou com a revista Ciência Hoje. “O sistema aceita os dissidentes até um certo ponto. Passou dali o cara entra numa espécie de lista negra”. A partir disso Kucinski passa algumas dicas práticas para os futuros jornalistas se manterem no mercado com a integridade de suas idéias. “uma solução (...) é ser muito bom”, ou seja, mergulhar em cada tema que for cobrir, evitar o chamado “jornalismo tangencial”. Dessa forma o jornalista questionador compensa o fato de ser um “risco à empresa”. Ele destaca também o dever e a necessidade de ser correto com suas fontes e seus leitores. Esse é o tipo de relação que independe da empresa para qual se trabalha. Uma atitude ética atrelada a seu nome é algo que demissão nenhuma atinge.

Kucinski destaca também alguns cuidados quase que políticos que devem ser tomados. “O jornalismo no Brasil, como muitas coisas, é formado por panelinhas”. Entrar nessas “panelinhas” é imprescindível para manter algum apoio dentro do mercado. “Nunca critique um colega de profissão”, sob a pena de criar um atrito duradouro, também é algo que o jornalista recomenda fortemente.

Mas, desse choque de jornalismo prático pelo qual os 30 alunos passaram, há uma mensagem que deixou uma impressão mais forte.
“Vocês não podem ser grandes jornalistas num certo dia, depois, no futuro. É uma coisa que já começa na escola”.

Samurais da informação

12/06/08

por Lia Chartouni Segre (n° USP 5993088)

Em palestra ministrada a alunos do segundo ano de jornalismo, Bernardo Kucinski fala de ética e valores da profissão

“Compromisso com os leitores e com a verdade”. Por trás da frase aparentemente batida há uma grande mensagem: pelo menos para o ex-professor de jornalismo da ECA, Bernardo Kucinski. Homem de história notável e gestos simples, impressionou os jovens futuros colegas de profissão com sua postura admiravelmente firme em um meio corrompido. O choque entre duas gerações tão antagônicas seria considerável de qualquer jeito, ainda mais pelo fato de uma das partes ter tanto a dizer a respeito do que a maioria daqueles que estavam na sala tanto ouvem falar, e querem ainda vivenciar. Se for de uma época (discutivelmente) de ouro então, nem se fala.

"Sou um clássico", disse a certa altura da falação, explicando em muito sua opção de defender formas menos inovadoras de se fazer jornalismo. Sente saudades dos tempos de redação, aonde se aprendia fazendo, discutindo em um ambiente naturalmente favorável ao encontro humano e a elucubração sobre o que se acontecia além dos escritórios. Critica o jornalismo de colunas, com cada repórter na sua torre de marfim e especialidade própria. Mesmo com um discurso em vários pontos, demasiado nostálgicos e irreais para a atual conjuntura; a sua principal tecla – postura ética jornalista - é mais que atual.

Mesmo sendo saudosista em alguns aspectos, Kucinski sempre foi lúcido quanto ao panorama da imprensa no país. A crise ética é muito mais antiga do que ele gostaria, e sim, há mais carreiristas e inconseqüentes no meio do que seria aceitável. Avisa que o que acontece hoje é longe do decente, seja entre repórteres, seja na relação repórter-empresa. Essas, diz, estabelecem um diálogo utilitarista com o funcionário. Por isso, aconselha a ser independente, se garantir com a sua agenda pessoal (em arquivos seguramente gravados em casa), coleção de reportagens, matérias, enfim: ter seu próprio método de trabalho. Tanto cuidado, perceberam os aspirantes a repórteres, não é exagero para os tempos turbulentos que estamos passando.

Bakumatsu: turbulência e renascimento

Tempos de redação são cada vez mais distantes: é mais que consenso hoje em dia que com a internet e as facilidades em geral de conexão (a qualquer lugar, de qualquer lugar), que não é preciso estar em alguma sede de veículo para fazer notícias. "Há uma democratização incrível", opina o jornalista, e concorda que, mais que em outras épocas, com as novas ferramentas, qualquer um faz notícia. Entre esse ser informacional e emissor e o jornalista, Kucinski acredita caber ao segundo maior responsabilidade sobre o que emite. Segundo o professor, não há como prever o futuro do ramo e do exercício profissional, mas há coisas que nunca mudam.

É preciso ser sempre fiel às suas fontes, respeitá-las; e aos seus leitores. Não é raro encontrar jornalistas que ao invés de fazerem entrevistas, buscam aspas ou esperam um erro para fazer manchetes curiosas, polêmicas. Só que esse profissional certamente perderá a credibilidade. Mesmo que o caminho da incorruptibilidade seja mais difícil do que a desonestidade - vigente -, ao final, você terá contatos que confiam em você - diz o experiente profissional, dando a receita que seguiu. Com essa fórmula que teve muitas portas fechadas, principalmente no começo, mas foi a que o possibilitou chegar à função de assessor da Presidência da República.

As virtudes não param por aí. Sim, é preciso ser perfeito, ou ao menos tentar errar o mínimo, pois sempre terá alguém para apontar suas falhas. Mas por isso também é bom ter amigos - e discorreu sobre a importância da panelinha como pé de sustentação para uma carreira saudável: ninguém é nada sozinho. E aconselha mais: nunca criticar os colegas. É necessário ser uma rocha, que não sucumba ao mais corriqueiro e usual, tão clichê.

Experiências e críticas do jornalismo contemporâneo

Por Pedro José Sibahi

O jornalista e cientista político, ex assessor da Presidência e antigo militante estudantil, Bernardo Kucinski, esteve no último dia 12 na Universidade de São Paulo, em palestra para alunos.

Falando em tom um tanto amargado pela vida, mas jamais arrependido pelo caminho escolhido, Bernardo falou de sua experiência profissional na imprensa e na academia, deu opiniões e conselhos, fez críticas quanto à cobertura na atualidade e comentários sobre suas perspectivas para o futuro do jornal.

De início ele apontou a necessidade de se desenvolver uma teoria do jornalismo que condissesse com as características do nosso país. Kucinski definiu o Brasil - assim como outros países em desenvolvimento - como imerso em um regime autoritário, assim, o jornalismo também necessitaria de uma “Teoria do jornalismo em sistemas autoritários”. Essa construção se faz importante pois nossa realidade não condiz com a dos países desenvolvidos, nos quais as noções de democracia e liberdade são mais desenvolvidas, assim como as forças políticas são diferentes. Fazendo uma comparação entre estes dois modelos, Bernardo falou de sua experiência no exterior. “Lá eles o querem pelo que você é. Aqui, eles precisam de você para realizar uma tarefa”. Para o ex-professor a diferença fica explícita principalmente no momento de assinar a matéria: enquanto em outros países a regra é colocar seu nome, aqui é preciso insistir muito e, muitas vezes, só ser aceito depois de "domesticado". Através dessa domesticação as empresas asseguram que nada contra os interesses da casa seja publicado.

Falando de sua especialidade, o jornalismo econômico, Kucinski teceu diversas críticas. A principal foi quanto à elitização das publicações, fechadas sobre sí mesmas, excluindo grande parte do público através de um "economequês" que normalmente esconde a ignorância do próprio jornalista. Além disso, o poder do capital financeiro sobre as pautas das publicações tem sido muito maior do que o aceitável, refletindo o que já ocorre no próprio sistema financeiro. Hoje o Brasil é terreno de engorda para o capital internacional. “Ele chega pequeno, cresce, e vai embora.” Como a economia é dependente, o capital econômico acaba se submetendo ao capital financeiro. Isto poderia ser observado, por exemplo, na questão da volta da inflação. Segundo ele, uma importante discussão sobre qual seria o tipo da inflação que está nos atingindo, de custo ou de demanda, está sendo negligenciada pela imprensa. Assim, preserva-se o interesse do capital financeiro, personificado pelos bancos, interessado em aproveitar a situação para retomar a trajetória de crescimento dos juros, inflando seus lucros. Juros altos poderiam solucionar uma inflação de demanda, mas não resolveriam o problema de uma inflação de custo, como a que estamos vivendo.

Quando falava sobre os grandes jornais, Bernardo disse esperar que eles se tornem cada vez mais autoritários, mas que veículos alternativos tem aparecido, inclusive através de ONGs. Estes novos meios parecem ser a saída do monopólio informacional, apesar de ressalvas quanto à alguns deles e as práticas de um jornalismo menos criterioso. Pensando nas escolhas de uma carreira, ele também acrescentou que de qualquer forma é sempre importante que "o jornalista seja dono dos seus próprios meios", e ressaltou a necessidade de se criar um arquivo próprio de entrevistas, material de referência, etc.

Finalizando sua palestra, Kucinski deu diversos conselhos, baseado no que vivenciou. Falou da importância que dá à ética, tanto com leitores quanto com fontes, assim como o repúdio quem tem pela chamada promiscuidade. Explicou os problemas quanto a falta de regulamentação através de uma lei de imprensa, o que leva ao uso do código civil e aos muitos processos por calúnia e difamação. Não deixou de criticar os "Cães de Guarda", colunistas que defendem o status quo através da imprensa, e colocou a importância de se levar a sério enquanto profissional desde cedo, comprometendo-se com o trabalho.


Citando o exemplo de um ex-aluno que fez seu TCC sobre a guerra na Indonésia, ele marcou muitos colegas com a predição de que não se deve almejar grandes trabalhos no futuro, pois os melhores jornalistas se destacam no dia-a-dia da escola.

Kucisnki compara jornalismo no Brasil e no exterior

por Pedro Maino, nº. USP 5903288

Profissionais brasileiros se auto-censuram e nem sempre jogam limpo na visão do professor aposentado do Departamento de Jornalismo e Editoração da ECA/USP

Em palestra realizada no último dia 12, o jornalista econômico e ex-professor da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, Bernardo Kucinski, falou, em palestras aos alunos do segundo ano, sobre a diferença entre os tipos de jornalismo praticados no Brasil e no exterior. Para o palestrante, que trabalhou tanto no Brasil quanto na imprensa estrangeira, há muitas diferenças entre o jornalismo aqui e nos Estados Unidos, por exemplo.

Segundo Kucinski, os jornalistas brasileiros são contratados apenas por seus serviços, ao contrário do que os estudantes possam pensar. “As empresas não querem você por suas idéias. Elas querem que o profissional exerça uma tarefa, enquanto as idéias cabem aos editores”, explicou o professor, que explicou a situação como um processo de domesticação do jornalista. “No período da ditadura era assim, mas isso ainda se observa nos dias de hoje”.

O convidado explicou ainda que os repórteres brasileiros sofrem com a auto-censura. “Aqui, o jornalista deixa de publicar algo por receio de se comprometer com a fonte e, com isso, perdê-la. É publicada então uma ‘ficção sobre o real’ e a verdadeira história só aparece depois do expediente. Só que ninguém precisa ser jornalista. Quem não quiser se comprometer pode arranjar outra profissão”, analisou, apontando o contrário em outros países. “Isso nem é cogitado por um repórter estrangeiro. Se ele tem uma informação apurada e confiável, nunca irá passar pela cabeça dele segurar esta notícia”.

A respeito da atual ética vigente no jornalismo brasileiro, Kucinski foi crítico, afirmando que no Brasil impera a ‘ética da malandragem’. “Infelizmente, a honestidade está lá embaixo na nossa escala de valores. O profissional pensa apenas em conseguir o que precisa e tem uma relação predatória com sua fonte”. Em uma comparação com os americanos, o palestrante ressaltou que apenas dois pontos são importantes no Código de Ética deles. “Nos Estados Unidos, o jornalista deve ser correto com as fontes: buscar a verdade e jogar limpo (fair play)”.

Ainda sobre a ética e a atuação do profissional no Brasil, o professor explicou que isso faz com que as fontes tenham pavor de jornalistas. “Eles nunca sabem se você escreverá apenas o que ele disse”. No entanto, deu dicas para ganhar a confiança dos entrevistados. “No início, pode parecer mais complicado jogar limpo, mas isso te dá uma credibilidade que te diferencia dos demais no futuro”.

Kucinski criticou ainda a relação tangencial de alguns jornalistas com o conhecimento e disse que é algo comum. “Certa vez em uma entrevista, o âncora me questionou sobre quais perguntas deveria me fazer ao vivo. Isso, obviamente, o livra das responsabilidades de se aprofundar no assunto tratado”. Ele, por outro lado, aconselhou aos alunos que façam justamente o oposto. “Jornalista bom é aquele que é informado, que sabe do que está falando e se aprofunda no tema”.

Durante a palestra, o professor revelou ainda uma série de outras dicas para que os estudantes possam se dar bem na imprensa, considerada com autoritária por ele. Uma delas se refere ao material utilizado pelo jornalista. “O brasileiro precisa fazer uso de uma ética defensiva, ou seja, deve ser dono de seu próprio material. Não pode depender de uma empresa, pois você pode ‘tomar um pé’ dela a qualquer momento”.

Além disso, Kucinski falou que o jornalista deve ser muito bom. “Pode parecer óbvio, mas, além de inteligente, você deve ser esperto e saber se inserir no sistema. É importante, por exemplo, não criticar, um colega de profissão. Além disso, é fundamental estar em uma ‘panelinha’. Ninguém te contrata porque você é bom, mas porque pertence a determinado grupo”. Bem humorado, o professor afirmou que, em último caso, o profissional deve montar a própria ‘panelinha’.

O professor encerrou dizendo que ninguém será um bom jornalista em um dia, ou em um determinado momento. De acordo com ele, o talento deve aparecer durante a faculdade. “Se a pessoa não escreveu algo descente para o ‘Jornal do Campus’, (com circulação interna na Universidade de São Paulo), dificilmente escreverá algo assim no futuro”. Para Kucinski, a vida profissional começa na escola.

Jornalismo, economia, e o que fazer com isso tudo

Por Eduardo Tavares (nº USP 4921589)

“Falta uma teoria do jornalismo em sistemas autoritários”. Essa foi a tônica da palestra ministrada pelo ex-professor de Jornalismo Econômico da ECA-USP, Bernardo Kucinski na última quinta-feira (12). Na aula, Kucinski desenvolveu uma análise da atual cobertura jornalística da economia brasileira, a qual, segundo ele, se encontra deficiente. O professor também abordou aspectos da profissão jornalística, além de dar conselhos aos estudantes.

De quem começou há muito tempo...
A principal carência do jornalismo brasileiro, segundo Kucinski, é o fato de que, diferentemente das coberturas em outros países, as idéias do próprio jornalista não apresentam grande relevância na elaboração das matérias. No Brasil ocorre uma “despersonalização” do jornalista, à medida que ele é “domesticado” conforme o projeto editorial da empresa em que trabalha. Kucinski, que possui uma vasta experiência na grande imprensa, criticou a atuação dos editores, que frequentemente deformam as matérias escritas pelos jornalistas, moldando os textos para adequá-los à mensagem que o veículo quer transmitir.

A censura que os jornalistas fazem sobre seu próprio trabalho também representa um grande obstáculo para o ganho de qualidade no jornalismo. Kucinski critica o hábito de muitos profissionais que administram a quantidade de informação a ser disponibilizada em suas matérias. Comportamentos como esse, visando algum tipo de privilégio ou prestígio ao manter informações em segredo, criam um paradoxo, já que a função do jornalista é incompatível com a atitude de impedir que a verdade completa seja propagada.

Quanto ao jornalismo econômico, especificamente, Kucinski o aponta como um agente de função ideológica, com o objetivo de convencer os leitores de que a situação está sob controle, quando, na verdade, não é exatamente essa a situação. O professor afirma que não há profundidade na cobertura, e o tipo de informação veiculada – e o modo como isso é feito – demonstram uma comunicação horizontal, de elite para elite. Os “jornalões”, como define Kucinski, são ainda caracterizados pela mesmice e pelo autoritarismo em seus noticiários.

Um exemplo comentado pelo professor diz respeito à atual discussão sobre o aumento da inflação, e as medidas do BC e do governo para conter esse aumento. A falha dos jornalistas, nesse caso, estaria no fato de não proporem reflexões sobre questões básicas, como as causas da inflação. Para Kucinski, abordagens cruciais como a demanda e os custos, que influenciam diretamente na oscilação da inflação, têm sido feitas de forma superficial. E essa insuficiência na investigação dificulta, inclusive, a procura de soluções para o aumento inflacionário.

Outra característica que denuncia a superficialidade na cobertura jornalística da economia é vocabulário utilizado nas notícias dos “jornalões”. O excesso de jargões, e o vocabulário por vezes exageradamente técnico e rebuscado significam, muitas vezes, uma tentativa dos jornalistas em esconder sua própria ignorância sobre o tema. Tal postura acaba por enfraquecer a credibilidade do jornalista, não somente frente aos leitores, mas também para com as fontes.

...para quem está apenas começando
Entretanto, ainda que o autoritarismo da grande mídia seja predominante, essa situação desestimulante é compensada pelo que Kucinski aponta como o “florescimento de outros tipos de imprensa escrita”. Essas novas mídias, segundo o professor, seriam uma boa alternativa, não só para leitores, mas também para jornalistas iniciantes, por estarem menos sujeitas a serem instrumentos na luta ideológica. Por isso, o conselho do professor para os jovens profissionais é que não fiquem obcecados com a grande mídia.

Kucinski ainda exorta aos jornalistas em formação a que persigam valores fundamentais da profissão, como o respeito e a honestidade com as fontes e com os leitores, a ética na investigação e o incessante desejo de aprofundamento nos assuntos sobre os quais se escreve. E, principalmente, Kucinski enfatiza o fato de que o jornalista deve “ter a capacidade de se maravilhar e também se indignar com o que está acontecendo”.

Atividades econômicas têm cérebro no exterior

por Ricardo Balsani Ferraz, nº USP 5133540

No Brasil, as atividades econômicas são dirigidas por empresas que possuem seu centro de decisão nas grandes potências do capitalismo, de modo que aqui o jornalismo econômico não tem a mesma função que exerce em outros países. Com o “cérebro no estrangeiro”, ele pratica tão somente um minimalismo informacional, destinado a fazer ressonar as idéias de uma elite para ela mesma. Essa é a opinião de Bernardo Kucinski, jornalista e cientista político, que retornou à USP, onde lecionou, para ministrar palestra aos alunos do curso de jornalismo. Ele traçou um panorama do jornalismo econômico no país, e ensinou estratégias de sobrevivência em um ambiente que define como cada vez mais autoritário nas redações brasileiras.

Para Kucinski, hoje o Brasil é terreno de engorda para o capital internacional. “Ele chega pequeno, cresce, e vai embora.” Com uma economia dependente, o capital financeiro exerce domínio sobre o capital econômico, o que acaba tendo implicações também para o jornalismo. Isto poderia ser observado, por exemplo, na questão da volta da inflação. Segundo ele, uma importante discussão sobre qual seria o tipo da inflação que está nos atingindo, de custo ou de demanda, está sendo negligenciada pela imprensa. Assim, preserva-se o interesse do capital financeiro, personificado pelos bancos, interessado em aproveitar a situação para retomar a trajetória de crescimento dos juros, inflando seus lucros. Juros altos poderiam solucionar uma inflação de demanda, mas não resolveriam o problema de uma inflação de custo, como a que estamos vivendo.

Segundo Kucinski, esse caso demonstra que as discussões econômicas no Brasil são dominadas pelo interesse de uma elite, que mantém uma relação promíscua com o jornalismo. Ele cita as próprias manchetes de jornais para exemplificar como o grosso da população está sendo excluída do jornalismo econômico, que acaba falando ao próprio umbigo, pautado e direcionado às elites. O jornalista que inicia sua carreira em redações como essas acaba adquirindo vários vícios, como por exemplo a autocensura. Este, aliás, é apontado por Kucinski como um dos mais graves defeitos do jornalista brasileiro. Ao contrário de seus colegas estrangeiros, ele retira de seu texto as informações mais picantes ou polêmicas, o que resulta em uma ficção sobre o real, e não jornalismo.

Como alternativa ao jornalista iniciante, Kucinski destaca um florescimento editorial, com o surgimento de novos veículos, e o revigoramento da imprensa alternativa. São esses ambientes que ele aponta como desejáveis para que um jornalista passe os primeiros anos de sua carreira, pois assim ele será menos utilizado na luta ideológica. Para ele, ser muito bom é uma das soluções para que o jornalista sobreviva no nosso mercado, e para isso ele deve aproveitar as chances que a profissão dá e mergulhar nos assuntos que trabalhar. Assim, além de se desenvolver, ele evita o que Kucinski chamou de jornalismo tangencial, que apenas fica na superfície dos temas. Para ele, o jornalista também deve se maravilhar e indignar com o que vê, evitando uma postura cética ou cínica. O jornalista que não exercita a capacidade de se comover acaba ficando fraco.

Baseado em suas próprias experiências, Kucinski aconselhou os estudantes a investirem nas relações pessoais com seus colegas de profissão. Seria importante pertencer as “panelinhas”, grupos de jornalistas reunidos por uma afinidade natural, ou um projeto em comum. Ao invés de excluir as pessoas de for, sua função seria a de oferecer suporte mútuo aos membros dos grupos, quando as horas não forem as melhores. Além disso, ele recomenda que os jornalistas tenham um tato especial na hora de fazer críticas a um colega, evitando, se possível, citá-lo nominalmente. Ele argumenta que elas sempre pesam para quem as recebe, e isso pode ser virar contra a pessoa que apontou os erros.

Kucinski também defendeu a ética defensiva como estratégia de sobrevivência. Ser correto com as fontes, e posteriormente com os leitores, fará com que a sociedade respeite mais o jornalismo. Para os casos em que acontecem abusos, ele defende uma legislação específica para a imprensa, pois se os jornalistas têm alguns direitos especiais, também devem ter maior responsabilidade. Para ele, muitas vezes a imprensa falta com o respeito por algumas pessoas, que são expostas, caluniadas e difamadas.

O jornalismo em sistemas autoritários

Em palestra, Bernardo Kucinski fala aos alunos sobre os vícios do jornalismo brasileiro

Marcelo Osakabe - nº USP 5904511

Para quem esperava uma palestra sobre jornalismo econômico, uma surpresa. Bernardo Kucinski, professor recém aposentado do CJE, passou as quase duas horas de aula discorrendo sobre as características do modo brasileiro de fazer jornalismo.
Num tom um tanto amargo (mas não decepcionado), ele nos contou a sua experiência tanto como profissional da área como de professor, bem como suas perspectivas e apostas para questões do campo hoje e no futuro, entremeadas de alguns conselhos para os ingressantes no mercado de trabalho.
Ele começou nos apontando para a necessidade de se criar uma teoria do jornalismo que condissesse com as características do nosso país, uma “Teoria do jornalismo em sistemas autoritários”. Essa teoria substituiria os modelos europeu e americano, utilizados atualmente, mas que pouco têm a ver com nossa realidade.
Kucinski trabalhou tanto na imprensa nacional como na estrangeira. “Lá eles o querem pelo que você é. Aqui, eles precisam de você para realizar uma tarefa”. A diferença, para o ex-professor, fica claro quando chega a hora de assinar uma reportagem. No exterior, qualquer reportagem vem assinada. Aqui, é necessário batalhar muito para pôr seu nome numa matéria. E isso aconteceria somente após o que ele chamou de “processo de domesticação”, em que a um jornalista só é permitido assinar depois de mostrar que não vai contra os posicionamentos da casa.
Essa espécie de autocensura embutida a força faz com que o jornalista brasileiro guarde algumas coisas para si, apesar de a sua função social seja revelar, algo contraditório e que simplesmente não existe lá fora. A verdadeira história só é revelada depois, naquela conversa depois do expediente. O que sai na matéria é apenas uma ficção sobre o real, incompleta.
O ex-professor criticou severamente o noticiário financeiro, dizendo que é escrito de elite para elite e que profissionais da área se escondem atrás do “economês” para não demonstrar a sua incompreensão do assunto. Explicou ainda como o jornalismo econômico é pautado pelo capital financeiro há anos e como se tornou extremamente viciado, entrevistando sempre o mesmo grupo de “entendidos”, que também fazem parte do jogo e que defendem interesses.
Deu como exemplo a recusa dos grandes jornais em tratar a recente aceleração da inflação como provocada por um aumento dos custos e não da pressão da demanda. Essa omissão deliberada vai de encontro com o desejo do sistema bancário, que, com os juros cada vez mais baixos, temia ter que mudar a matriz de negócios que o norteou durante anos no país, a saber, lucrar quase que exclusivamente financiando a dívida pública brasileira, que rendia os “juros mais altos do planeta”, em vez da produção.
Kucinski ainda disse que a tendência dos jornalões é ficarem cada vez mais autoritários, mas que diversos veículos novos estão surgindo, publicações que não são usados como instrumento ideológico e que por isso permitem que os jornalistas tenham mais liberdade na hora de escrever e assinar matérias.
Daí em diante, passou a responder perguntas e dar conselhos aos alunos. Disse que precisávamos, antes de tudo, ser muito bons: aprofundar nos temas novos, descobrir fontes, conciliar sucesso pessoal e conduta ética. Emendou conselhos como “nunca criticar um colega de trabalho ou discutir com o editor” com outros mais espantosos do tipo “Se você não acontece logo na escola, não acontece nunca mais”. Falou da importância de se participar de uma “panelinha” e que o jornalista deve adotar uma ética defensiva (ser dono dos próprios instrumentos) para com os jornais.
Questionado sobre Lei de Imprensa (ou a sua supressão), explicou que a grande diferença entre ela e o código civil é que a primeira trata dos erros no caso específico do jornalismo, que ocorrem de um modo proporcionalmente diferente. “A calúnia pode ser justamente absolvida caso se dê o direito de resposta em igual condição”. Por fim, afirmou que a interface entre jornalismo e ONGs é muito interessante (mas duvida que esse jornalismo engajado vai algum chegar a tocar em questões estruturais) e lamentou o esvaziamento das redações, antes espaço de troca e aprendizado.

O jornalismo como ele é

Em palestra a estudantes da ECA-USP, Bernardo Kucinski revela o lado prático da profissão.

Por Juliana Varella Reginato, nº USP5402522


O curso de Fundamentos da Economia teve sua última aula na quinta-feira, dia 12 de Junho. Convidado a expor uma palestra ao grupo, o professor recém-aposentado Bernardo Kucinski surpreendeu os estudantes de jornalismo com cerca de duas horas de conselhos práticos sobre o dia-a-dia da profissão.

O primeiro ponto abordado foi o ensino. O ex-professor criticou a falta de uma teoria de jornalismo genuinamente brasileira, e explicou que os modelos usados são geralmente de outros países, onde a realidade da profissão é bem diferente. Isso, frisou, contribui para o desencanto dos jovens, que saem das faculdades com uma noção irreal do trabalho, e encontram um ambiente conservador, que valoriza o jornalista mecânico, cumpridor de tarefas. “Aqui, é preciso conquistar o direito de assinar, de ter idéias”.

A economia, como esperado, também foi alvo de comentários, curtos porém esclarecedores, do especialista. Ele classificou o Brasil como “terreno de engorda” dos capitais estrangeiros, já que aqui se aplicam investimentos, mas não se fixa a renda. Concluiu que, se tanto os capitais quanto os centros de decisão das grandes empresas não estão no país, a economia brasileira permanece altamente dependente. Em seguida, destacou a desigualdade econômica interna do país, que se reflete no jornalismo, com jornais feitos por uma elite que só consegue falar às elites. Também foi pautada a influência negativa dos grandes bancos sobre os jornais diários, que acostumaram-se a omitir informações importantes à população, por serem indesejadas e possivelmente prejudiciais a eles.

Num momento mais otimista, o ex-professor esforçou-se em traçar um panorama das possibilidades para o jovem jornalista. Alertou que, nos grandes jornais, tem crescido o autoritarismo e decrescido a qualidade, com páginas recheadas de pautas previsíveis e textos superficiais. Lembrando que o jornalista de campo não é tão responsável por essa falha quanto a linha editorial, que o molda. A boa notícia é que as pequenas revistas, especializadas ou alternativas, estão seguindo o caminho contrário, crescendo e caprichando no conteúdo. Começar nesses espaços, aconselha Kucinski, pode ser muito mais gratificante do que na grande mídia. Isso porque, em geral, as revistas de menor porte tendem a dar mais espaço ao jornalista, e mais liberdade para que ele tenha opinião. Assim, com a possibilidade de errar e responder pelos próprios erros, fica muito mais fácil aprender e evoluir.

Diante de um cenário tão limitado, os alunos começaram a se perguntar se haveria uma saída, à qual respondeu o convidado com uma lista de conselhos. “Para sobreviver no mercado, primeiramente, seja muito bom.” A frase, aparentemente óbvia, despertou expressões de dúvida nos ouvintes, atentos. O palestrante prosseguiu, explicando que o jornalismo brasileiro tem perdido muita qualidade pela ausência de certas atitudes. Uma delas, continuou, é aproveitar as oportunidades de aprendizado. Deixar de lado a matéria superficial e empenhar-se em estudar realmente o assunto tratado, pois aquele conhecimento poderá ser útil na vida pessoal ou profissional. Outra atitude imprescindível, segundo ele, é sentir. Maravilhar-se e indignar-se com a mesma intensidade, tornando a profissão mais prazerosa e o resultado muito mais rico.

O ex-professor pincelou ainda outros conselhos preciosos aos aspirantes a jornalistas. Comentou a importância de ser ‘correto’ com as fontes e com os leitores, evitando o seu afastamento e facilitando a obtenção de futuros depoimentos. Afinal, a desconfiança causada por palavras distorcidas e conversas gravadas sem aviso mancham a imagem do jornal e do jornalista, até mesmo como pessoa.

Entre discursos e conversas, o palestrante revelou experiências pessoais, das quais aprendeu algumas das lições que agora repassava aos alunos. Uma delas, a de jamais criticar um colega de trabalho. Discordar do editor pode ser, muitas vezes, um erro irreparável. “Para evitar situações como essa, o melhor é tomar todo o cuidado antes de entregar uma matéria.” Com isso, explica, evita-se que o superior faça muitas alterações no texto. Se, ainda assim, elas forem feitas, ele sugere que não se discuta.

Os últimos momentos da aula foram marcados por discussões mais fervilhantes, como sobre a lei de imprensa e a internet. Ao primeiro tema, o ex-professor respondeu com uma crítica aos jornalistas. “Temos muito privilégio, mas é preciso ser mais responsável (com os direitos alheios, como o de imagem)”. Sobre a internet, Kucinski aposta na permanência do jornalismo impresso, mas defende a versão online como uma nova satisfação para quem escreve. “Antes, o jornalista só interagia com o editor; agora o leitor está muito mais próximo”. Não se sabe ao certo como as novas ferramentas serão incorporadas pelo jornalismo, nem como será o mercado quando esses alunos saírem das salas de aula. O futuro, de fato, assusta e intriga. Mas um toque de experiência pode tornar o processo da descoberta, no mínimo, menos doloroso.

Acima de tudo, um amante do ofício

Por Tatiane Cristina Ribeiro (n° usp 5903034)

Bernardo Kuscinki demonstrou sua relação de amor e ódio com o jornalismo em palestra eloqüente

Amar o jornalismo não parece ser muito difícil. Mas só parece. Uma profissão com tantos nuances e tantos “debaixo dos panos” faz com que muitos desistam e muitos acabem por se render ao sistema. Esse é o diagnóstico de Bernardo Kucinski, jornalista e ex-professor da Escola de Comunicação e Artes (ECA-USP). Apesar de parecer um daqueles que cansou do sistema, ele demonstra que lutar contra ele é ser um bom jornalista.
Falando sempre sobre a importância da profissão para o mundo atual, ele contou histórias sobre a sua jornada pelo mundo jornalístico, apresentando sempre um discurso de dignidade e abertura na profissão. Para Kucinski, um jornalista não deve usar as informações que tem como trunfos e guardá-los, mas sim exercer seu dever: o de informar.
Ao falar de jornalismo econômico, ele lançou duras críticas ao modelo atual, acusando os jornais econômicos de serem usados apenas para disseminar ideologias, sem informar as verdadeiras mazelas da economia mundial. Feitos diretamente para as classes dominantes, jornais como DCI e Gazeta Mercantil só repetem aquilo que os detentores da renda no país já dizem, e camuflando políticas que podem prejudicar o país.
Sempre dando dicas aos estudantes que o ouviam, Kucinski mostrou que ser contra a situação atual não é apenas reclamar todos os dias do que lemos nos jornais, mas sim lutar por um jornalismo justo, sincero e que inclua toda a população. Nunca camuflando, mas mostrando a verdade, doa a quem doer.

"É uma inflação de custos, e não de demanda", diz Kucinski

Por Ricardo Régener - Nº USP 5902930

Em Palestra a alunos da Escola de Comunicações e Artes da USP, o Professor Bernardo Kucinski fala sobre o retorno da Inflação , discute as diferenças com outros períodos e faz uma crítica à cobertura da imprensa.



"Há uma promiscuidade muito grande entre jornalistas e fontes"



"Ninguém precisa ser Jornalista por ser, se for pra escamotear a verdade, não seja"


"Estamos vivendo uma volta da inflação", constata o Professor Bernardo Kucinski, introduzindo o tema sisudo em um tom didático e informal. Em conferência com alunos do curso de Jornalismo da ECA-USP, durante o mês de junho, o professor Bernardo Kucinski traçou um panorama do retorno do "Dragão Inflacionário" ao cotidiano dos brasileiros. Kucinski, que já prestou assessoria sobre Assuntos Estratégicos para a Presidência da República, enfatiza que vivemos um quadro inflacionário muito distinto de ocasiões anteriores: "Trata-se de uma inflação de custos, e não de demanda".

Segundo o professor, a inflação de demanda, mais comum em períodos históricos passados, ocorre quando as pessoas estão com dinheiro demais, consumindo, e não há oferta suficiente. Nesse caso torna-se necessária a imposição de impostos, a queda de salários, o aumento da taxa de juros, entre outras políticas comumente adotadas. A Inflação de Custos, no entanto, ocorre devido ao aumento, por motivos diversos, dos preços de produção, “ela representa em si o confisco do dinheiro do povo, o cidadão vai consumir de qualquer forma certos produtos, mas vai ter que pagar um pouco mais por eles (...) ela por si já derruba a demanda, já faz que as pessoas tenham menos dinheiro pra gastar com outros bens".

Para Kucinski, essa distinção é de suma importância pois "ela [a inflação de custos] exige um remédio totalmente diferente". No entanto, a adoção de políticas mais condizentes com tal realidade está dificultada em parte devido a atuação dos Jornalistas na cobertura da crise; conforme o professor “[a mídia] está omitindo deliberadamente o fato de que se trata de uma inflação de custos”, e isso se deve a “uma promiscuidade muito grande entre Jornalistas e Fontes”. Kucinski critica o fato dos profissionais de jornalismo terem sempre as mesmas fontes, o que os faz, em muitos momentos, meros difusores dos interesses dos bancos. A estes o professor associa o principal interesse pela omissão de nuances aprofundadas da crise: “É de interesse dos bancos aproveitar essa crise pra retomar o processo de elevação dos juros, não é conspiratório, é uma coisa que vai acontecendo naturalmente, e precisa ter uma certa perspicácia pra perceber".

No decorrer da palestra, além de falar sobre inflação e criticar incisivamente a ação dos Jornalistas nessa cobertura, Kucinski também deu muitas dicas práticas para a formação de profissionais ao mesmo tempo bem-sucedidos e honestos. “Ninguém precisa ser jornalista só por ser. Se for pra escamotear a verdade, não seja”.

Kucisnki revela as verdades do jornalismo em palestra

Ex-professor do Departamento de Jornalismo e Editoração da ECA/USP critica o jornalismo brasileiro e revela as minúcias do mundo das redações

Francisco Laurentiis (número USP: 5904504)

Na última quinta-feira (12/06), Bernardo Kucinski, jornalista de renome internacional e atual ombudsman do Jornal do Campus (feito pelos alunos do curso de jornalismo da Escola de Comunicações e Artes) deu uma palestra descontraída, mas sobre temas sérios, aos alunos da disciplina Fundamentos de Economia. Na conversa, o ex-professor de economia da ECA, que se aposentou no final de 2007, abordou não apenas a economia mundial, principal foco do curso, mas também os problemas nas coberturas jornalísticas feitas pelos grandes veículos e o sistema autoritário das redações. Ele ainda deu dicas aos estudantes de como se destacar em um mercado de trabalho acirrado como é o do jornalismo.

Kucinski tem autoridade de sobre falar sobre o mundo do jornalismo. Sua experiência em meios de comunicação nacionais, como a Veja e a Gazeta Mercantil, e estrangeiros (como o jornal The Guardian e a rede de televisão BBC, ambos da Inglaterra), além de seu trabalho como escritor (é autor de Jornalismo Econômico, publicado pela Edusp, entre outros), são provas disso. E, logo no início da palestra, declarou com a sinceridade quem nunca lhe faltou em muitos anos de profissão: “Falta uma ideologia jornalística genuinamente brasileira”. Segundo o ex-professor, os valores do jornalismo nacional são importados dos Estados Unidos e da Europa e nossas principais publicações estão sempre copiando o que fazem as estrangeiras. Ele também comparou o jornalismo brasileiro com a economia do país: “A economia do Brasil é guiada e direcionada pelos estrangeiros”, já que as decisões econômicas mais importantes não são tomadas no país, mas nos países estrangeiros. Kucinski completou dizendo que o Brasil é um “terreno de engorda” do capital estrangeiro.

Em seguida, o jornalista fez críticas ao sistema autoritário imposto pelas redações brasileiras. Segundo o palestrante, os editores, “responsáveis pelas idéias”, são meros “cortadores”, “canetadores” de matérias, enquanto os jornalistas, “responsáveis por todo o trabalho”, são os “cordeirinhos” das redações: eles só assinam as matérias se seguirem à risca os manuais técnicos e ideológicos dos veículos, são muitas vezes obrigados a se “autocensurarem” para evitar problemas jurídicos para os veículos e não se aprofundam nos assuntos abordados para “não complicar” para os editores. Kucinski também destacou um dos piores hábitos do jornalista brasileiro: “Jornalista brasileiro gosta de formar ‘panelinhas’ redações”. Como jornalista, ele garante que isso atrapalha principalmente a troca de informações entre os profissionais e desestabiliza o ambiente de trabalho na redação. O palestrante ainda se mostrou um severo defensor da ética no jornalismo: “O profissional de mídia deve ser sempre correto e honesto com suas fontes, e também não deve criticar colegas de profissão”.

O jornalismo econômico brasileiro também foi tema da palestra. Kucinski destacou que os as notícias do caderno de economia são muitas vezes persuasivas, enganosas e pouco compreensíveis para maior parte da população. Ele também critica o excesso de jargões utilizados pelos jornalistas da área: “Usar jargões é uma forma de mascarar a própria ignorância perante um assunto”. A seleção de valores empregada no caderno econômico foi definida por Kucinski como negligente: “Há excessiva promiscuidade entre editores, jornalistas e o capital financeiro”. Para o palestrante, muitos assuntos não aparecem no caderno de economia pois não interessam à “elite” para quem essa parte do jornal é dirigida.

Para os alunos que esperavam ver uma palestra sobre o “romantismo” do jornalismo e a crise econômica contemporânea, as críticas ácidas de Kucinski podem até ter soado um pouco exageradas. Mas a sinceridade de jornalista, aliada à boa argumentação do professor, mostraram as verdades por trás das redações e advertiram os futuros jornalistas da ECA sobre o que vão encontrar daqui a algum tempo. Kucinski falou a verdade, como sempre fez em sua carreira, e como deve fazer todo jornalista, não importando a ocasião.