segunda-feira, 9 de junho de 2008

Governo estuda zerar alíquotas de importação para conter preços, diz Miguel Jorge

IVANIR JOSÉ BORTOTLINCOLN MACÁRIO

da Agência Brasil

Para controlar a inflação, o governo poderá zerar as alíquotas de importação em setores onde constatar um aumento excessivo de preços. Em entrevista exclusiva à Agência Brasil, o ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Miguel Jorge, diz que aumentar os juros é um remédio clássico para combater a alta de preços. Ele, no entanto, afirma que o combate a abusos do mercado - que pode ser feito com mudanças nas tarifas de importação --também deve ser uma arma do governo.
Miguel Jorge disse que as áreas técnicas de sua pasta e do ministério da Fazenda vão fazer um cruzamento de dados para identificar "gargalos"que possam estar provocando aumento do custo das indústrias. Para ele, há um componente especulativo na alta dos preços dos alimentos no mercado.
O ministro acredita que os investimentos no setor produtivo não vão diminuir, mesmo com o aumento da taxa Selic, isso graças aos benefícios fiscais da recém-lançada Política Industrial. Ele rebateu as críticas de que 50% dos recursos do pacote para a indústria tenham beneficiado o setor automobilístico. E enfatizou: o setor vai receber R$ 3 bilhões em incentivos e estará investindo R$ 20 bilhões nos próximos três anos.
Jorge revelou ser contrário à Contribuição Social para a Saúde (CSS) e disse que uma melhora da gestão pública teria mais resultados que um novo imposto, ao defender uma redução da atual carga tributária, equivalente a 36% do Produto Interno Bruto (PIB), para melhorar a competitividade da indústria brasileira.
O crescimento das importações não preocupa o governo, uma vez que o item de maior importância é o de bens de capital, que vem contribuindo para modernizar o setor produtivo e a crescer no momento em que a maior parte das indústrias estão com 90% da capacidade produtiva ocupada.
O atual patamar de valorização do câmbio não tira a competitividade e, ao contrário do que os analistas sustentam, não vem provocando uma "desindustrialização" do país, segundo Miguel Jorge.
Leia trechos da entrevista:
Agência Brasil - Juros é o melhor remédio para esta situação de inflação acelerada?
Miguel Jorge - Pode não ser o melhor, mas ele é um dos poucos. Estamos levantando eventuais gargalos na produção para que a gente possa agir, se houver uma inflação de demanda, em algumas áreas da economia, mas o aumento dos juros é um remédio clássico para esta circunstância.
ABr - O presidente Lula pediu ao senhor e ao ministro da Fazenda, Guido Mantega, para analisar que medidas podem ser adotadas no combate a inflação?
Miguel Jorge - Ao invés de fazer uma conversa com o ministro Mantega, eu pedi para os nossos secretários que se encontrassem com os secretários da Fazenda, para que eles possam cruzar as informações sobre eventuais gargalos que estejam pressionando a inflação e, para que, eventualmente, se tomem medidas em relação aos gargalos.
ABr - Que medidas?
Miguel Jorge - Medidas clássicas, já que nós falamos em taxa de juros como medida clássica, como redução de tarifas de importação. Se você notar que em algum setor está havendo um aumento indevido, excessivo de preços, que possa estar influenciando o custo das empresas, obrigando a elevarem seus preços, causando mais inflação, certamente você tem que zerar a alíquotas de importação. É uma medida que nós podemos tomar.
ABr - Com o último dado de aumento de 10,5% na produção industrial fica muito difícil dizer que a elevação dos preços é provocada pelo crescimento do consumo. Que outros elementos estão alimentando a inflação? Há especulação?
Miguel Jorge - Há especulação. Isso já é conhecido. O presidente Lula já falou isso. Se você tirar o aumento dos preços dos alimentos da inflação, verá que mais da metade da nova inflação é de alimentos. Com o enxugamento da liquidez no mundo, os grandes fundos e os especuladores começaram a ir para os mercados de commodities, causando aumento nos preços dos alimentos. É verdade que há um aumento no consumo de alimentos em vários países e de consumo do milho para etanol nos Estados Unidos.
ABr - Ao elevar a taxa de juros, o Banco Central não passa um sinal ao empresário de que o custo do investimento vai ficar mais caro?
Miguel Jorge - Realmente isso é uma conseqüência óbvia do processo do aumento dos juros. Uma das coisas que minimizará este efeito é o fato de termos lançado a política de desenvolvimento produtivo, que faz com que se facilite o investimento. O BNDES [Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social], ao passar o financiamento de uma máquina de cinco para dez anos, ou ao acelerar muito a depreciação de um equipamento, que hoje pode ser feito em um ano e não mais em cinco, está promovendo o investimento sem que você tenha efeitos no consumo. Pode ter um efeito importante na redução do consumo o aumento dos juros, mas os investimentos serão afetados positivamente pelos efeitos da Política de Desenvolvimento Produtivo.
ABr - Analistas do mercado apontam o setor automotivo como o principal beneficiado pelas medidas da política de desenvolvimento produtivo, em um momento que a ampliação das frotas de veículos estão agravando os problemas de trânsito das grandes cidades. Além disso, o setor não tem condições de andar com as próprias pernas?
Miguel Jorge - Certos analistas fizeram uma leitura apressada e irresponsável da medida e saíram falando bobagem, quando disseram que a indústria automobilística receberia 50% das desonerações fiscais. Isso é uma deslavada mentira. As desonerações estão em R$ 24 bilhões e a indústria automobilística está recebendo R$ 3 bilhões do total. Isso significa 12%, não 50%.
ABr - E crescimento no uso de automóveis nas grandes cidades?
Miguel Jorge - O problema não é que tenhamos muitos automóveis nas cidades. O problema é que nossas cidades não investiram em infra-estrutura. É uma irresponsabilidade o que aconteceu neste país, em termos de infra-estrutura local, nem estou falando na infra-estrutura dos portos e das rodovias. O automóvel está mostrando para onde vão os impostos cobrados dos veículos que deveriam ir para a infra-estrutura, inclusive para transporte coletivo.
ABr - A ineficiência do setor de transporte acaba sendo um custo distribuído em toda a cadeia de produção?
Miguel Jorge - Um caminhão que precisa chegar ao Porto de Santos levando uma mercadoria, ele tem que cruzar a cidade inteira e, para isso, leva de duas horas e meia a três horas. Além do prejuízo para a importação e a exportação, tem o prejuízo para a cidade de bilhões de dólares por ano, além da poluição.
ABr - As indústrias operando com 90% de sua capacidade, mas a incorporação de mais 20 milhões no mercado consumidor, o senhor acha as políticas de estímulo à produção do seu ministério vão produzir efeito a tempo de evitar uma inflação maior?
Miguel Jorge - No caso da inflação industrial, sim. Agora temos que pensar que uma boa parte da inflação está nos alimentos. Fizemos a liberação, a pedido do ministro Reinhold Stephanes, das alíquotas de importação do trigo, reduzindo o custo dos impostos da Marinha Mercante, para importar trigo do Canadá e dos Estados Unidos a preços competitivos. Aí, temos um paradoxo: o pãozinho está subindo muito e o preço do automóvel, cuja venda cresceu 30%, não está subindo. O aumento dos automóveis no último ano foi de 2,5%.
ABr - E a reforma tributária não poderia ajudar na redução dos custos das empresas?
Miguel Jorge - A reforma tributária está no Congresso Nacional, e espero que o deputado Antônio Palocci tenha razão de que a gente consiga aprová-la até o final do ano. Temos que avançar mais. As tentativas anteriores não foram adiante porque eram mais profundas do que esta e tiveram resistência. Agora temos uma reforma que é possível. A resistência a uma reforma mais profunda não veio dos setores produtivos. Veio dos governos estaduais e municipais.
ABr - Para os setores industriais e comerciais, reduzir imposto pode ser uma saída para ganhos de produtividade e competitividade?
Miguel Jorge - Nós temos uma confusão na legislação brasileira. Hoje, nas empresas você tem áreas só para tratar dos tributos, para preencher papel e planilhas de computadores. Agora, você tem de outro lado um peso excessivo dos impostos sobre a produção, quando deveria ser maior sobre o consumo. Acredito que deveríamos, a partir do momento que o país tem um crescimento sustentável, é o que dizemos que tem, pensar em duas coisas: em reduzir os gastos públicos e mantê-los sob controle, é o que está sendo feito, e reduzir a carga tributária. Nós aumentamos muito a carga tributária quando tivemos que cobrar mais impostos em uma época em que não tínhamos tanta produção para que cobríssemos os gastos públicos.
ABr - É um estrutura tributária herdada de um período de inflação alta?
Miguel Jorge - É exatamente isso. Agora temos que repensar essa estrutura tributária e ir reduzindo, claro que não podemos dar uma "paulada" e ir reduzindo de 36% do Produto Interno Bruto [PIB] para 30%, 28% ou 25%, mas começar a pensar e a discutir o assunto.
ABr - E este novo tributo que está sendo criado para financiar a saúde não pode elevar os custos das empresas?
Miguel Jorge - Se eu considero que deveríamos reduzir a carga tributária? Evidentemente que o ministro do Desenvolvimento tem que ser contra o aumento de carga tributária. E é um aumento de carga tributária. Ontem, um deputado amigo meu dizia que só as pessoas que ganham acima de R$ 3 mil pagariam o imposto. Não importa, é mais aumento de tributo e que vai ser repassado ao produto. O presidente Lula reclamava que nenhum empresário abaixou o preço com o fim da CPMF [Contribuição Provisória sobre a Movimentação Financeira]. O empresário não vai baixar mesmo, já está no custo.
ABr - São os custos da burocracia para as empresas?
Miguel Jorge - Acho que as empresas melhoraram muito a gestão, mas há muita burocracia no país. Eu mesmo passei esses dias por isso. Precisei de um documento para uma destas áreas ligadas ao governo, em que o ministro faz parte, e exigiram que tivesse autenticação com firma reconhecida. Aí, o chefe de gabinete passou o número do decreto, o artigo em que dizia que não é para ter mais isso. Insistiram. No final, acabaram aceitando. A burocracia não é questão brasileira, é de todo o mundo, é um negócio insidioso. Quando ela se instala é mais difícil de tirar do que imposto.
ABr - E o câmbio? O aquecimento da economia está elevando as importações, embora as exportações venham sendo sustentadas pelos preços das commodities no mercado externo.
Miguel Jorge - Não vejo muita possibilidade de queda dos preços. Nós continuaremos exportando bem. Acho que a decisão da Comunidade Econômica Européia vai contribuir para elevação das exportações de carne. Alguns países estão abrindo novos mercados para carnes de frango e suínos. Veja bem, os 10% de crescimento industrial devem-se, em parte, ao aumento da importação de bens de capital que continua crescendo.
ABr - Uma das contas que mais vem crescendo no Balanço de Pagamentos do Brasil é a remessa de lucros e dividendos, que já é maior que o pagamento de juros ao exterior. Isso não preocupa?
Miguel Jorge - Se elas [as empresas] estão mandando muito dinheiro é porque ganham dinheiro legalmente. Não há nenhum problema em relação a isso. É que, pela primeira vez, as empresas estão ganhando dinheiro. Nós passamos muito tempo com as empresas tendo dificuldade de sobreviver por causa da inflação. Imagine uma multinacional que tenha passado, a partir de 1986, por oito planos econômicos e seis moedas. Estas empresas perderam dinheiro por todo este tempo, mas se mantiveram no país. Naquela época, tiveram que trazer dinheiro de fora para não quebrar. Hoje, se elas estão ganhando dinheiro, se estiveram, nos priores momentos, no país, e hoje estão nos melhores momentos, têm o direito de mandar seus dividendos a seus acionistas.

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