terça-feira, 10 de junho de 2008

Obama e McCain não têm plano para deter crise nos EUA, diz analista

10/06/2008 - 09h58


ÉBANO PIACENTINIcolaboração para a Folha Online

Os dois prováveis candidatos à Casa Branca --o democrata Barack Obama e o republicano John McCain -- não possuem grandes idéias para superar a recessão nos Estados Unidos, na opinião de Thomas Patterson, professor da Universidade de Harvard especializado em política governamental, eleições e mobilização da sociedade civil.
Em entrevista por telefone à Folha Online, o especialista comparou a atual crise econômica com a causada pela quebra da bolsa de Nova York, em 1929, quando o então presidente Franklin Roosevelt (1933-1945), inspirado na teoria de John Keynes, interveio na economia.
AP/Efe
Os prováveis candidatos à Casa Branca, senadores Barack Obama e John McCain
"A crise econômica dos anos 1930 não é como a de hoje. Na época, Roosevelt promoveu marcos regulatórios e um programa de seguridade social inspirado [no economista britânico] Keynes. Eu não vejo grandes idéias na campanha de Obama. Vai ser interessante ver ele ou McCain lidarem com a crise econômica, mas não vejo nenhuma grande filosofia. A crise atual é crônica, vem se desenhando há algum tempo, e o governo não tem controle sobre ela", diz.
Para o professor, Obama é mais parecido com o ex-presidente Jimmy Carter (1977-1981) que com John F. Kennedy (1961-63), com quem a campanha do senador busca associá-lo.
"O ex-presidente mais parecido com Obama, em minha opinião, é Carter. Ele era um "outsider" em 1976. Depois de Watergate, que acabou com a confiança dos americanos no governo, Carter unificou a nação e fez todos acreditarem novamente na política. Ele foi, como Obama, o "outsider" que entrou na disputa, incomodando os candidatos do establishment".
Patterson é autor de "The Unseeing Eye" (O olho invisível, em tradução livre), escolhido como um dos 50 livros mais influentes sobre a opinião pública americana na segunda metade do século 20. Leia a seguir a entrevista concedida pelo especialista de Harvard à Folha Online.
Folha Online - Como fica a campanha eleitoral com a saída de Hillary Clinton ?
Patterson - Ainda há muita pressão sobre Hillary Clinton. O partido, que estava dividido, começa a se reunificar. Ela tem uma personalidade muito forte e teve quase tantos votos populares quanto Obama, é uma situação delicada. Os democratas estão correndo para se alinharem, mas precisam decidir que papel a senadora assumirá, ou deixará de assumir.
Folha Online - Hillary não seria uma vice forte demais para Obama, não competiria com ele?
Patterson - Como presidente dos Estados Unidos, é preciso se cercar de pessoas influentes e experientes. Isso lembra os anos 60, quando John F. Kennedy teve como vice Lyndon Johnson, que era líder da maioria no Senado. Kennedy não teve dificuldades em lidar com Johnson. Além disso, o histórico de Hillary como senadora é de saber se relacionar com outras lideranças. Um vice com forte liderança não é necessariamente um problema.
Folha Online - A campanha de Obama tem tentado associar sua imagem à de Kennedy. Essa semelhança é real?
Patterson - Eu não acho que ele seja semelhante a Kennedy. Ele foi um candidato e um presidente muito diferente. Kennedy também foi um ótimo orador, mas ele era um negociador e um "insider", que se movimentava com influência dentro do partido. Neste sentido, ele se aproxima mais de Hillary, que tem muita influência entre os democratas. O ex-presidente mais parecido com Obama, em minha opinião, é Jimmy Carter. Ele era um "outsider" em 1976, com pouca experiência política. Após Watergate, que acabou com a confiança dos americanos no governo, Carter unificou a nação e fez todos acreditarem novamente na política. Ele foi, como Obama, o "outsider" que entrou na disputa, incomodando os candidatos do establishment, gerou muito entusiasmo nas pessoas e depois teve alguns problemas --alguns que não criou. Havia muito desemprego e uma crise econômica na época.
Carolyn Kaster/Alex Brandon/AP
Para professor, o provável candidato democrata Barack Obama (esq.) tem um perfil parecido com o do ex-presidente Jimmy Carter
Folha Online - Carter era tão liberal quanto Obama?
Patterson - Não. Mas ele tinha um discurso parecido: falava em unir os americanos e acabar com a divisão entre os partidos, assim como Obama.
Folha Online - Quando Roosevelt foi eleito à Casa Branca em 1933, os EUA viviam uma recessão econômica causada pela quebra da Bolsa de Nova York em 1929. A crise que o país vive hoje é apontada por economistas como a maior em décadas. O sr. acredita que caso seja eleito, Obama tomará medidas que ajudem a economia a se reerguer?
Patterson- Há algumas semelhanças. Mas falar de Roosevelt, ou mesmo de Kennedy, é falar de profundas experiências políticas nos EUA. Roosevelt foi Secretário da Marinha durante a Primeira Guerra Mundial (1914-1919), candidato à vice-presidência em 1920 e, em 1928, foi eleito governador de Nova York. Ele tinha muita experiência. John F. Kennedy foi congressista no fim dos anos 1940 e se tornou presidente muitos anos depois. A crise econômica dos anos 1930 não é como a de hoje. Na época, Roosevelt promoveu marcos regulatórios para as atividades financeiras e um programa de seguridade social inspirado na teoria econômica de John Keynes. Eu não vejo nenhuma grande idéia na campanha de Obama.Vai ser interessante ver ele ou McCain lidarem com a crise econômica, mas eu não vejo nenhuma grande filosofia. A crise atual é crônica,vem se desenhando há algum tempo, e o Estado não tem controle algum sobre ela.
Para mudar isso seria preciso um plano de uma dimensão que ainda não foi pensada por aqui, e não se pode aplicar a mesma fórmula de Roosevelt. Isso não quer dizer que não se possa fazer nada. Se eleito, Obama vai querer melhorar o sistema de saúde, e vai enfrentar problemas nesse sentido, pois não há muito dinheiro para isso. Ele também irá agir sobre o comércio, mas vivemos em um mundo globalizado. É um contexto mais difícil para se promover uma intervenção estatal da dimensão que Roosevelt executou nas décadas de 30 e 40 [Roosevelt foi reeleito por elevada margem de votos em 1936, 1940 e 1944], e eu não vejo nem as idéias nem as condições para um plano dessa grandeza. Ao menos por enquanto.
Folha Online - McCain tenta agora se colocar como o "novo líder", que acredita na força do livre mercado e que cuidará das "questões do novo século", como o aquecimento global e as fontes de energia. O sr. considera que esta nova estratégia pode funcionar?
Bill Haber/AP
Senador republicano, John McCain discursa em evento de campanha em Kenner, Los Angeles
Patterson - Ambos os candidatos falam em inserir na agenda política americana a questão do aquecimento global. Tirando isso, eles divergem na maioria dos temas. McCain é naturalmente um político a favor do livre mercado, e esta tem sido a tendência da chamada globalização mundial. Em parte o que ele fala sobre o senador democrata está certo: uma parte da política de Obama é "antiga", mas isto pode ser a política certa neste momento.
A idéia, por exemplo, de que o governo tem que melhorar a saúde pública. Os Estados Unidos são uma das poucas democracias desenvolvidas que não têm um sistema de saúde pública, financiado pelo governo. Saúde pública universal é "política antiga". São gastos enormes ao governo, pode significar aumentos de impostos. Mas por vezes "políticas antigas" podem ser boas políticas. Os americanos precisam ter acesso a uma saúde pública, ou ao menos subsidiada, pois os custos dos planos de saúde são exorbitantes.
As empresas americanas têm que pagar pelos planos de saúde de seus funcionários, o que coloca as companhias em desvantagem em relações a outros países.O problema de Obama é que ele promete reformar o sistema de saúde, e, se eleito, será difícil realizar esta política. Em 1993, Bill Clinton foi eleito prometendo melhorar a saúde, mas depois não o fez, pois não havia dinheiro no governo para isso. Obama pode enfrentar o mesmo problema.
Folha Online - Obama é muito criticado por ser inexperiente. O sr. acha que ele pode formar uma equipe forte, que preencha as suas lacunas de experiência executiva?
Patterson - Algo positivo sobre tornar-se presidente é que você pode se cercar de muitos assessores competentes. Mas nós não sabemos ao certo. Ele nunca geriu nada sozinho. Bill Clinton sofreu por sua inexperiência como administrador nos primeiros 18 meses na Presidência, demorando para tomar decisões, em parte pois ele não sabia lidar com todos os conselhos que recebia. Se Obama ganhar, vamos ver o que acontecerá.

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