quarta-feira, 7 de maio de 2008

A armadilha monetária da China

Michael Pettis 
05/05/2008

A China experimentou ao longo dos anos recentes um veloz crescimento no PIB, mercados acionários e imobiliários extremamente especulativos e, nos últimos meses, inflação acelerada - atualmente registrando taxa anualizada de 13% para o primeiro trimestre de 2008. Esse superaquecimento é quase certamente causado pelo regime cambial do país, ainda que não pelos motivos freqüentemente citados em grande parte do debate político, de que uma moeda subavaliada permite ao setor exportador da China expandir-se devido à subavaliação das mercadorias chinesas nos mercados mundiais, e esse setor exportador em expansão impulsiona crescimento e lucratividade no resto da economia. O regime cambial é a principal causa da expansão econômica chinesa atual, em grande parte devido ao seu impacto sobre as condições monetárias internas.


No momento em que escrevo, o yuan é negociado a ligeiramente menos de 7 para o dólar dos EUA, uma apreciação de mais de 17% desde 21 de julho de 2005, quando a moeda nacional foi desvinculada do dólar americano. Para estabelecer o valor da moeda, o Banco do Povo da China (BPC) precisa comprar ou vender tantos dólares quantos o mercado solicitar. A elevada taxa de poupança da China e o veloz crescimento da produção industrial têm significado que o país precisa produzir um superávit na balança comercial, e o ingresso de dólares oriundo da conta da balança comercial tem sido dilatado por ingresso adicional na conta de capital, num momento em que investidores compravam ativos chineses para se aproveitarem dos preços baixos e do crescimento.


Nos últimos anos, a conseqüência tem sido crescimento acelerado nas reservas, culminando na alta dessas reservas em mais de US$ 154 bilhões para os três primeiros meses de 2008 - que já representam praticamente um terço dos impressionantes US$ 464 bilhões do ano passado. Esse aumento nas reservas prendeu a China numa cilada monetária. As reservas em alta, alimentadas pela disparada no superávit da balança comercial, devem ser acompanhadas por crescimento no dinheiro local, enquanto o BPC provê os recursos para a compra dos dólares que entram no país com yuan e títulos do banco central.


Essa geração de moeda acaba desembocando em grande parte no sistema bancário, no qual a maior parte da disparada na expansão do crédito alimenta produção, em vez de consumo. No momento em que a produção industrial chinesa se avoluma, o resultado é um aumento no superávit da balança comercial, que por si só provoca salto adicional nas reservas.


O sistema financeiro da China é rígido, inexperiente em gestão de risco e, apesar das recentes tentativas de fazer uma faxina nos empréstimos não pagos, ainda está sobrecarregado com uma vasta e crescente quantidade de empréstimos irrecuperáveis, que será agravada por uma retração econômica ou por uma correção abrupta nos mercados imobiliários. O frágil sistema financeiro refreia gravemente as opções políticas do BPC, ao dificultar, por exemplo, a administração das taxas de juros. Permitir que as taxas de depósitos e de empréstimos aumentem de forma rápida demais quase certamente provocará dificuldades de crédito a uma grande quantidade de tomadores de empréstimos marginais, ainda que simultaneamente estimule ingressos especulativos adicionais.


O que as autoridades podem fazer? Há várias medidas convencionais que poderiam ser usadas para retomar o controle da política monetária - mais flexibilidade na taxa de câmbio, aumento nas exigências de reservas mínimas, reforma do sistema bancário e desregulamentação da taxa de juros. À exceção da última, as autoridades tentaram todas elas, mas parece que quase não surtiram efeito. Ao contrário, a maioria das medidas de crescimento aumentou nos anos passados.



Corte brusco do crescimento chinês pode levar a uma queda repentina nos preços das commodities


Mais importante ainda, a produção industrial continua em disparada e, junto com ela, o superávit na balança comercial e a base monetária. Se a causa fundamental dos desequilíbrios chineses é o regime cambial, isto não deveria ser surpresa. Sem uma política que reduza diretamente os ingressos de conta corrente e de conta de capital da balança de pagamentos a um nível mais gerenciável, nenhuma dessas medidas tomadas pelo BPC e pelas autoridades conseguirá deter a marcha da economia e moderar aumentos nos preços dos ativos. O crescimento vertiginoso se manterá até a economia ser obrigada a se ajustar de modo inesperado e talvez danoso.


Existem atualmente duas opções amplamente discutidas que poderão refrear ou, até, reverter os ingressos de conta corrente e de conta de capital. Primeiro, o BPC pode manter a veloz apreciação da moeda, de aproximadamente 12% - 14% anualmente. O risco é que uma apreciação mais veloz estimula maior surto de ingressos especulativos e, assim, mina a própria meta que espera atingir. Na verdade, na maioria dos cálculos, os ingressos de dinheiro de curtíssimo prazo ("hot money") até agora no ano estão se acumulando a um nível três vezes superior ao da já elevada taxa do ano passado.


A segunda opção, que teria sido discutida em outubro num documento interino, mas rapidamente rejeitada pela liderança, estabelecia que o BPC arquitetaria uma maxi-revalorização de 15% a 20%. A medida provavelmente não afetaria imediatamente o volume de exportação - determinado, na sua maior parte, pelo crescimento na produção industrial - mas estimularia as importações e reduziria ou até reverteria os ingressos especulativos. O risco é que os lucros de exportação poderiam desmoronar, alimentando, assim, os crescentes níveis de empréstimos não pagos no já vulnerável sistema bancário.


As autoridades relutaram em ajustar o regime cambial devido ao seu impacto potencial de curto prazo sobre a expansão da taxa de emprego. Acredita-se amplamente que a taxa de desemprego urbano seja muito superior aos 4,3% oficiais - algumas estimativas situam o número em 8% a 10%. A taxa de desemprego entre os jovens é muito maior e existem algumas evidências de que a taxa de desemprego entre universitários recém-formados esteja aumentando rapidamente - segundo um comunicado recente do Ministério da Educação, 30% dos pós-graduados de 2007 continuam desempregados. Nenhuma dessas condições deixa o governo mais ansioso para organizar um ajuste que poderá provocar um aumento repentino na taxa de desemprego no curto prazo, especialmente entre os jovens nas regiões urbanas.


Apesar disso, não está nem um pouco claro que as autoridades poderão continuar permitindo algo próximo da taxa atual de expansão monetária. Para os meses remanescentes de 2008, a respeito do qual o vice-premiê Wen já alertou, afirmando que será um ano "extremamente difícil", a China será obrigada a escolher entre caminhos que provavelmente envolverão dificuldades significativas ao sistema financeiro. Apesar de ser possível que as condições globais se tornem propícias, permitindo que a China ajuste o seu regime cambial sem prejudicar demais o crescimento do PIB, existe um risco real de um abrupto ajuste forçado que poderá ter um impacto gravemente negativo sobre o crescimento. Esse ajuste, de corte brusco do crescimento chinês e, com ele, a demanda chinesa por importações de commodities, poderá levar a uma queda repentina nos preços das commodities.


No médio prazo, é uma aposta razoável que a China manterá a sua expansão veloz, apesar de que, quando os fatores demográficos ficarem negativos, em 2010 e 2011, a taxa de crescimento vai se desacelerar de forma significativa ante os níveis atuais. No curtíssimo prazo, porém, especialmente se a inflação continuar aumentando, existe uma probabilidade considerável e crescente de uma abrupta reversão das condições ideais que a China desfrutou. Se isso ocorrer, o impacto sobre o crescimento global e os preços das commodities será severo.


Michael Pettis é professor de Finanças na Universidade de Pequim.

Fonte: Valor Econômico

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