terça-feira, 6 de maio de 2008

Notícias do século XXI

China:a sociedade (01)


“É preciso vir à China porque tudo o que está acontecendo no século XXI está acontecendo neste enorme país. O que acontece aqui tem escala mundial e afeta a todos: o preço do petróleo e dos alimentos, as relações comerciais, o desenvolvimento tecnológico, os custos trabalhistas...”, afirma Enrique Concha, diretor da Associação Cooperação Sino-espanhola em Tecnologia e Inovação, que há mais de três anos mora em Pequim.
Não está sem razão. A chegada ao terminal 3 do aeroporto de Pequim situa de cara o viajante em outra dimensão. O terminal, recentemente inaugurado e desenhado também por Norman Foster, é como a mãe do terminal 4 de Madri-Barajas. Um cenário colossal a partir do qual se inicia o trajeto até o centro de uma cidade de mais de oito milhões de habitantes que vive a maior parte dos dias encoberta por uma densa camada de poluição e poeira.
Pequim se encheu nos últimos quatro anos de gigantescos e pesados arranha-céus de ferro, cristal e cimento, construídos sem ordem nem concerto, que são atravessados por passagens elevadas e enormes avenidas que tornam quase impossível cruzá-las antes que o semáforo se fecha novamente. Tanto é assim que em algumas delas há pessoas munidas de bandeiras com as quais procuram apressar os pedestres como se fossem bandeirinhas que exigem que a jogada continue.
A capital chinesa não dorme. Há tempo, os carros substituíram as bicicletas, e os engarrafamentos, inclusive de noite, já fazem parte da rotina. Com as obras de destruição dos bairros antigos e a construção de novos prédios comerciais, nos quais milhares de operários trabalham incansavelmente dia e noite em precárias condições de segurança por cerca de 150 euros por mês.
A China tem um projeto de país que consiste em conseguir o bem-estar, e os Jogos Olímpicos são uma magnífica ocasião para mostrar ao mundo que esse projeto já é uma realidade. Por isso doem tanto ao Governo as críticas ocidentais à violência dos direitos humanos, à repressão no Tibet ou à péssima qualidade do ar da capital.
O que pretendia ser a vitrine dos progressos já realizados está se convertendo no flanco pelo qual os competidores e rivais atacam sem piedade. De momento, o espetáculo é só político e cada comparação entre Pequim 2008 e Berlim 1936, quando emergiu outra superpotência, é interpretada pelo regime como uma tentativa ocidental de humilhar a China. As autoridades respondem exacerbando o nacionalismo da população, recordando, como fazia há alguns dias o jornal China Daily, a época em que as concessões européias dividiam a soberania chinesa e agitavam o fantasma dos laowai (velhos estrangeiros).
Responsáveis do Diário do Povo, o órgão oficial do Partido Comunista, e porta-vozes do Ministério de Assuntos Exteriores repetem imperturbáveis o discurso oficial: “A imprensa ocidental mente. Os rebeldes tibetanos são criminosos. Os jornalistas estrangeiros não podem ir ao Tibet porque não podemos garantir sua segurança pessoal”. Mas este repúdio dos despachos, onde se intui a vontade de substituir a velha ideologia comunista pelo nacionalismo, não se faz sentir, ao menos no momento, de forma opressiva nas ruas.
Na capital, restam apenas símbolos da Revolução de Mao – o único visível é seu gigantesco retrato da Praça de Tiananmen – e as ruas não trazem, diante do que se poderia esperar – os nomes dos heróis ou dos mártires do povo. Desde que, há quase 30 anos, Deng Xiaoping inaugurara a era da abertura e da reforma econômica, calcula-se que aproximadamente 300 milhões de chineses saíram da pobreza, demonstrando que o sucesso da China é provavelmente também o sucesso da humanidade.
Dois lugares simbolizam atualmente a nova Pequim. O bairro central de Houhai, literalmente “o lago dos fundos”, reúne ao longo de suas melancólicas margens dezenas de restaurantes e bares com estilo, dos quais sai música pop, ocidental ou chinesa, e por onde cada noite pululam um monte de jovens que, vestidos como seus companheiros de geração dos Estados Unidos ou Japão, põem à prova que o partido seja mais forte que a MTV. Houhai tem todas as credenciais para fazer seu agosto com a enxurrada de estrangeiros que beberão em seus locais para sacudir o rubor do verão de Pequim em busca de ladies e massagens.
O outro lugar é o distrito 798, um gigantesco centro de arte situado nos arredores da capital. Um complexo de antigas fábricas de eletrônica, construídas com a ajuda soviética por arquitetos da Alemanha Oriental, que agora alberga esplêndidas galerias com o melhor da arte de vanguarda chinesa (extremamente crítica e irônica) e numerosos cafés e restaurantes. O ambiente boêmio e cool da zona contrasta com os olhares de assombro dos imigrantes recém chegados do campo para asfaltar suas ruas e construir os novos altares do bem-estar.
Mas, são esses operários e os moradores dos hutong, os becos de Pequim onde vivem amontoadas famílias inteiras, que, com um sacrifício inigualável em outros pontos do mundo e outro tanto de desejos de aprender, estão decididos a que desta vez, exatamente 50 anos depois, o grande salto para frente seja uma realidade e não um novo fracasso.

China: a economia (02)

Entre os analistas há consenso de que uma eventual recessão nos Estados Unidos terá conseqüências para a economia chinesa, que hoje envia ao mercado americano cerca de 45% de suas exportações. Para o governo chinês, porém, as principais preocupações parecem ser a inflação crescente e o risco de insatisfação social. Em relatório divulgado no fim de abril, a Academia Chinesa de Ciências Sociais reconhece que, em 2008, a velocidade de crescimento cairá em quase um ponto percentual, o que, mesmo assim, significa um crescimento de 10,7% neste ano.

É um número superior aos 9,7% de crescimento do país, em média, nos últimos trinta anos e próximo aos 11% previstos, em relatório sobre as perspectivas da China, do economista Qu Hongbin, do HSBC. Para o HSBC, a desaceleração na China, mesmo insuficiente para fazer a economia cair abaixo de 8%, pode causar a perda de milhões de empregos, e deve provocar, como resposta das autoridades, o aumento no gasto com habitação e infra-estrutura.

Montadas sobre reservas superiores a US$ 1,5 trilhão e taxas de poupança em torno de 40% do Produto Interno Bruto (PIB), as autoridades chinesas têm instrumentos para evitar uma queda muito brusca, e vêm tentando equilibrar o controle da inflação com a geração de emprego e renda para a crescente massa de migrantes rurais para as cidades, ainda que analistas internacionais, como Stephen Roach, do Morgan Stanley, apontem o risco de crise inflacionária caso o governo não haja rápido, com aumento de juros, para levar a taxa de crescimento abaixo de 9%.

Na tentativa de se prevenir contra uma aterrissagem forçada da economia, o governo da China reduziu os recursos disponíveis para o crédito e adotou medidas para desestimular investimentos em setores altamente consumidores de recursos e energia, como o siderúrgico. É o que as autoridades locais chamam de "crescimento científico", e orienta investimentos chineses no exterior, como a associação da siderúrgica Baosteel com a Vale para produção de aço no Espírito Santo.

No caso do aço, o governo chinês chegou a extinguir mecanismos de devolução de tributos aos exportadores (tax rebate) e aplicar imposto de exportação.

"Na exportação de vergalhões de ferro, a China passou de um incentivo de 15% a um desincentivo de 15%, e teve medidas similares para outros produtos", comenta o analista Germano de Paula, da Universidade Federal de Uberlândia, um dos principais especialistas brasileiros do setor. A trajetória das exportações, crescente no início de 2007, é, agora, de redução, garantindo preços altos para o aço no mercado mundial, prevê. No Brasil, como em toda a América Latina, nunca as decisões do comitê central chinês tiveram tanta importância. (SL)
Valor Econômico 06-05-2008

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