18/04/2008 15:40:25
Crítico do sistema de metas de inflação e da desregulamentação econômica, Arestis vê nesse conjunto de idéias as principais causas da atual crise financeira internacional, made in USA. “A liberalização tem uma ampla dose de responsabilidade sobre a atual crise financeira e essas seguidas crises desde 1970”, avalia.
Na semana passada, Arestis foi ao Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), participar do 1º Encontro Internacional da Associação Keynesiana Brasileira. Lançada na sexta-feira 18, a associação conta com uma agenda de debates e a pretensão de atuar politicamente, numa rota alternativa à ortodoxia econômica, bem ao estilo do pensador inglês.
CartaCapital: O senhor considera que a atual crise financeira internacional resulta da desregulamentação dos mercados financeiros ocorrida nas últimas três décadas?
Philip Arestis: Sim, a resposta é um grande sim. Especialmente a partir dos anos 70 e 80, houve uma enorme liberalização financeira. Nesse mesmo período, entretanto, tivemos muitas crises. Vários artigos foram publicados nesses anos demonstrando que essas crises não encontram paralelo na história mundial. Elas são mais freqüentes e mais profundas do que as anteriores ao processo de desregulamentação. Por isso as crises mais recentes, que redundaram na crise de crédito de agosto de 2007, podem ser interpretadas como parte desse processo de liberalização iniciado nos anos 70. Mas a liberalização não é a única explicação. Acredito que a origem também está na política monetária baseada nas metas de inflação. Essa política começa com o reconhecimento, por parte das autoridades monetárias, de que a inflação é essencialmente um fenômeno monetário. Nessa perspectiva, considera-se que a estabilidade dos preços é de longe o mais importante objetivo a ser alcançado.
CC: E qual a razão disso?
PA: Quando se atinge a estabilidade dos preços, uma série de outras coisas a acompanharia. A economia teria a longo prazo estabilidade de renda, e, por isso, seria de esperar elevados índices de crescimento econômico. Portanto, para alcançar a estabilidade de preços e enfrentar a inflação, a política monetária teria de se concentrar essencialmente nas taxas de juro. No passado, a estabilidade de preços seria alcançada por meio da administração do estoque de dinheiro. Houve tentativas nesse sentido na Inglaterra e nos EUA, entre o final dos anos 70 e início dos 80, no Chile, Israel e muitos outros países.
CC: E deram algum resultado?
PA: Todas elas falharam. Falharam por uma série de razões. Acredito que uma das razões mais relevantes é a seguinte: se você vai administrar os preços por meio do estoque de dinheiro, tem de ser capaz de controlar seu estoque de dinheiro. Ou seja, teria de ser uma variável exógena. Mas as pessoas descobriram que o estoque de dinheiro é uma variável endógena, o que significa dizer que as autoridades monetárias encontraram muita dificuldade para controlá-lo. Se você não pode controlar, como poderá manipular essa variável? O segundo ponto é o seguinte: quando você tenta controlar o estoque de dinheiro e ele encontra meios de se esconder, as autoridades monetárias têm de ser capazes de avaliar de que modo essas mudanças vão afetar a inflação. No jargão econômico, dizemos que as autoridades precisam estar seguras da estabilidade da demanda por dinheiro.
Voltando à sua primeira questão: com a liberalização financeira e as inovações ocorridas nos mercados, a demanda por dinheiro torna-se muito instável. Então as pessoas pensaram o seguinte: se não podemos controlar a inflação por meio do estoque de dinheiro, por que não controlamos por meio da taxa de juro? Então passaram a estabelecer uma relação direta entre alterações nas taxas de juro e inflação. A longo prazo, mudanças nas taxas de juro afetarão apenas as taxas de inflação. Essa é a perspectiva do Banco da Inglaterra, do BC do Brasil e de muitos outros países.
Na estrutura teórica do sistema de metas de inflação há o pressuposto da transversalidade. Isso significa que os agentes econômicos nunca irão renegar suas dívidas, sempre irão honrá-las. Mas foi isso o que aconteceu na crise das hipotecas nos EUA, quando muitas pessoas simplesmente disseram que não iriam pagar suas dívidas. No paradigma teórico que o BC da Inglaterra e o do Brasil utilizam, não é preciso se preocupar com o sistema bancário e, por conta disso, os agregados monetários saem de cena. Já o Banco Central Europeu acredita nos agregados monetários.
Desde março de 2000 até 2005, os principais bancos centrais reduziram vigorosamente suas taxas de juro, praticamente a zero. Em seguida, aumentaram para 5,25% ao ano até agosto de 2007, no caso do Federal Reserve. E agora temos 2,25% ao ano, em um período de seis ou sete meses.
CC: Essa flutuação foi negativa?
PA: O resultado dessa enorme flutuação das taxas de juro foi a criação de um montante muito grande de dívida no sistema, o que certamente é o caso da Inglaterra, é o caso dos EUA e acredito que o Brasil está indo na mesma direção. Essas dívidas enormes, quando se tem uma flutuação dos juros, pode potencialmente criar sérios problemas. E um desses problemas foi exatamente a crise dos empréstimos subprime nos EUA, que entrou em colapso, muitas pessoas perderam suas casas e agora estamos no meio de uma crise de crédito. E acredito que ainda não vimos o final dessa história. Ou seja, a liberalização financeira tem sim uma ampla dose de responsabilidade sobre a atual crise financeira, essas seguidas crises financeiras desde 1970 e é provável que tenhamos outras por causa desse paradigma da política monetária.
CC: Como mudar essa situação?
PA: Na Inglaterra, na terça-feira 15, o primeiro-ministro Gordon Brown encontrou-se com um grupo de banqueiros em seu escritório para tentar convencê-los a reduzir suas taxas de juro ligadas a empréstimos imobiliários. E isso para tentar minorar os problemas do mercado de hipotecas. Todos os formuladores de política monetária esperavam que essas taxas de juro caíssem, mas elas se mantêm elevadas. O sistema não parece funcionar. Então o que considero necessário é procurarmos novas idéias para lidar com a política monetária. E talvez alterar as taxas de juro não seja o melhor modo de administrar a economia. Quando existem vários objetivos para a política econômica, e tenta-se atingir esses objetivos apenas com as taxas de juro, sabemos que não vai funcionar. Precisamos olhar para a política fiscal, em coordenação com a política monetária. E com maior atenção para os arranjos institucionais.
CC: Em que sentido as idéias de Keynes podem contribuir nesse debate?
PA: As minhas sugestões são, em certo sentido, muito keynesianas. É preciso renovar o modo de conduzir a política econômica. A política fiscal é muito importante. Enquanto no sistema de metas de inflação a política fiscal é completamente desvalorizada e a política monetária é supervalorizada. Acredito que é preciso encontrar um balanço mais adequado. Não tenho nada contra nenhuma das duas políticas, mas é preciso que haja uma melhor coordenação entre ambas. E me parece que essa é uma postura muito keynesiana.
Fonte: http://www.cartacapital.com.br/app/materia.jsp?a=2&a2=7&i=716
Nenhum comentário:
Postar um comentário