Os fundos soberanos são entidades relativamente recentes. O primeiro data da década de 50 (1953) e foi criado pelo governo do Kuwait. Até há pouco (1990) existiam apenas 15 fundos soberanos. De lá para cá o número de fundos cresceu muito. Hoje as nações que têm fundos soberanos já são 35 e o número destes fundos é 46.
Os fundos soberanos, como o próprio nome indica, são instituições dos governos dos países que os criaram. Todas as nações que possuem fundos soberanos têm (ou tiveram) um fluxo de recursos em moeda estrangeira muito elevado. E todos viam-se com o mesmo dilema. Por conta de sua situação externa, acabaram por acumular um volume de reservas internacionais grande. O uso das reservas foi durante muito tempo o de estabilizar o valor (ou o poder de compra em moeda estrangeira) da moeda do país. Por esta razão, as reservas internacionais eram tradicionalmente investidas em instrumentos de renda fixa. Estes possuem liquidez normalmente elevada e têm valor de mercado de determinação relativamente simples, especialmente se são títulos de curto prazo. Ocorre que os países que criaram fundos soberanos tinham uma situação especial. Todos, por um motivo ou outro, viram que não precisariam lançar mão da totalidade de suas reservas para fins de estabilizar a moeda nacional. Justamente por isso, os países que têm fundos soberanos têm fontes estáveis de geração de recursos em moeda estrangeira: ou são ricos em recursos naturais (como o petróleo), ou são receptores líquidos de investimentos estrangeiros, ou são superavitários no balanço em transações correntes.
A necessidade do uso das reservas internacionais tem diminuído muito. Com efeito, os regimes de câmbio flutuante (e de metas para inflação) ficaram cada vez mais disseminados na década de 90. Reservas internacionais em regimes de câmbio flutuante têm bem menos utilidade.
Dessa maneira, os países viram-se acumulando moeda estrangeira em volumes mais do que suficientes para suas funções macroeconômicas tradicionais. Portanto, parte destes recursos não precisariam mais ser aplicados em títulos de renda fixa de curto prazo. A conclusão óbvia é que outro tipo de investimento, mais ilíquido e de prazo mais longo de maturação, pode ser feito. A vantagem clara destes outros investimentos é terem rentabilidade maior.
Note, no entanto, que as reservas internacionais fundamentalmente só existem para diversificar os ativos dos países: são recursos em moeda estrangeira. Mais ainda, são títulos que são representantes de aplicações do país no resto do mundo.
O Brasil está considerando a criação de um fundo soberano. Os primeiros anúncios foram feitos em outubro do ano passado. Uma vez que já temos quase US$ 200 bilhões em reservas, esta idéia é perfeitamente plausível.
Entretanto, pelo que foi divulgado, há vários problemas com a forma que o fundo soberano brasileiro terá.
Um fundo deve aplicar em ativos de outras partes do mundo, pois seu objetivo é ter uma fonte de recursos em moeda distinta da nacional
Em primeiro lugar, o fundo será constituído de parte das reservas internacionais, mas também de recursos orçamentários. Observe que isto é diferente do que ocorre em outros países e destoa das razões que levaram ao grande volume de recursos existente em fundos soberanos internacionais.
Em segundo lugar, o fundo teria cinco funções (pelo menos): (i) absorção de dólares que entram no país, para conter a valorização do real; (ii) obter retorno superior ao proporcionado atualmente pelas reservas do Banco Central; (iii) financiar investimentos de empresas brasileiras no exterior; (iv) fazê-lo de forma subsidiada, cobrando juros inferiores aos que as empresas obteriam no exterior e também inferiores às taxas cobradas pelo BNDES (que são referenciadas à TJLP); (v) adquirir debêntures (ou títulos) do BNDES.
Os objetivos (i) e (ii) são os que os fundos soberanos de outras nações têm. No entanto, os objetivos (iii), (iv) e (v) são inovações que são indesejáveis.
Primeiro, um fundo soberano deve aplicar em ativos em outras partes do mundo, pois seu objetivo é justamente ter uma fonte de recursos em moeda estrangeira que seja distinto do país de origem. Desta forma, ao investir em uma empresa (privada ou pública) brasileira, este fundo não estará cumprindo sua função básica de diversificar as aplicações para o resto do mundo.
Segundo, ao fazer investimentos subsidiados, o fundo novamente deixa de seguir a lógica básica de trabalhar para obter os retornos possíveis, e poderia conflitar com o objetivo (ii), de conseguir retornos mais elevados que as reservas hoje têm.
Terceiro, ao pretender que os financiamentos sejam inferiores às taxas atuais do BNDES, que são referenciadas em TJLP, cria-se uma inconsistência: a TJLP é uma referência em reais e não em moeda estrangeira. De novo, algo muito fora dos padrões dos fundos soberanos existentes.
Quarto, ao comprar debêntures (ou títulos emitidos no exterior) do BNDES, há o mesmo problema que foi mencionado anteriormente: o fundo não está cumprindo seu papel básico de diversificar as fontes de recursos em moeda estrangeira. Além disso, se o BNDES hoje precisa captar no exterior (ou mesmo no Brasil), basta emitir títulos. Com certeza há muito mercado para emissões que são do governo federal (e o BNDES é 100% da União), como ficou demonstrado pelo sucesso da reabertura do título de 2017 (que teve taxas de 5,299% ao ano em dólares). Não há nenhuma necessidade do fundo soberano prover recursos para isso.
Por fim, pode ser que o governo tenha como estratégia aumentar recursos subsidiados a empresas nacionais (e ao BNDES). Isto já é feito através de fundos hoje existentes. Há mais de R$ 160 bilhões em fundos (constitucionais, de Desenvolvimento, de Amparo ao Trabalhador, FGTS, etc.) geridos pelo setor público federal. Destes, boa parte é emprestada para o BNDES ou para empresas a taxas subsidiadas. Ou seja, já há bastante incentivo deste tipo no Brasil. Se o governo deseja aumentar o recurso destes fundos (ou criar mais um outro), basta propor ao Congresso e aprová-lo. Mas não deve misturar a boa idéia de fazer um fundo soberano nos moldes que outras nações fizeram, com outros objetivos de natureza muito distinta.
Sérgio Ribeiro da Costa Werlang, Vice presidente executivo do Banco Itaú e professor da Escola de Pós-graduação em Economia da FGV, escreve mensalmente às segundas-feiras.
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