Por Helmut Schwarzer
13/05/2008
O custo dos projetos aprovados no Senado - o PLS 296, que revoga o fator previdenciário e a média de cálculo desde 1994, e a emenda ao PLC 42, estendendo a todos os benefícios do INSS o reajuste dado ao salário mínimo - é insustentável para a Previdência Social. Hoje, sem alterar regras, a despesa do INSS em relação ao PIB já subirá de 7,11% em 2008 para 11,23% em 2050, apenas em função do rápido envelhecimento demográfico. Os projetos desviariam a trajetória de despesa do INSS para 26,49% do PIB na metade do Século XXI. Apenas no período 2008-2011, o impacto adicional para o país seria de R$ 61,2 bilhões, com tendência crescente.
Por que este impacto? A análise dos projetos tem de ser subdividida em três: 1) o fator previdenciário; 2) o cálculo de benefícios somente a partir dos últimos 36 meses de contribuições; e 3) o reajuste das aposentadorias conforme o salário mínimo.
O fator previdenciário, criado em 1999 como substituto (imperfeito) para a idade mínima para aposentadoria, é aplicado obrigatoriamente apenas às aposentadorias por tempo de contribuição (ATC). Seu objetivo é desestimular que segurados se aposentem com idades reduzidas. As ATC, em março de 2008, representavam 15,7% do estoque de benefícios emitidos; e 28,5% do gasto global. Entre os benefícios novos, correspondem a 6% das concessões e 10,3% do valor concedido.
As ATC são concedidas a quem tem 35 anos de contribuição formal (30 para as mulheres). Ou seja, como é necessária uma trajetória de formalidade, normalmente não são os mais pobres que se aposentam por tempo de contribuição. Estes se aposentam por idade aos 65, inclusive muitas mulheres que se aposentam aos 60 anos. Por isto, as ATC têm o valor médio comparativamente mais alto entre todos os benefícios do INSS (R$ 1.050,01 em março de 2008). Em outros termos, o fim do fator aumentaria apenas os benefícios de valor unitário mais elevado entre os pagos pelo INSS.
O PLS 296 também reintroduz o cálculo das aposentadorias pela média dos últimos 36 salários de contribuição, regra vigente antes de 1999. A experiência histórica com esta regra foi de prejuízos para a Previdência: contribuía-se sobre valores baixos e declarava-se a contribuição pelo teto nos últimos anos da trajetória profissional. Pior, pode haver outras injustiças redistributivas sérias.
Segundo a PNAD 2006, os rendimentos das pessoas de escolaridade baixa têm, ao longo da vida, uma trajetória bastante diferente de quem possui escolaridade alta no Brasil. Enquanto o rendimento dos primeiros possui um formato de "U invertido", com queda ao final da vida de trabalho porque a capacidade física menor dificulta a inserção do idoso de baixa escolaridade no mercado de trabalho, quem possui escolaridade melhor apresenta tendência ascendente ao longo de toda a vida, provavelmente porque a experiência adiciona conhecimento e melhora as oportunidades profissionais.
A expansão do reajuste do salário mínimo aos demais benefícios pode inviabilizar a política de recuperação do mínimo
Com uma "média curta" de 36 meses, pessoas de maior dificuldade no mercado de trabalho serão captadas no período descendente de suas trajetórias. Já segurados melhor posicionados terão o cálculo de suas aposentadorias somente pelas últimas remunerações, mais altas do que o restante da sua vida profissional. Quem tem menos, será punido pela regra dos 36 meses; quem tem mais (e tende a viver mais) será premiado muito acima do que contribuiu historicamente. É socialmente justo?
A Constituição estabelece uma regra clara para o reajuste dos benefícios previdenciários: salário mínimo como garantia de piso e reposição do poder de compra para quem ganha mais do que o salário mínimo. Isto significa aplicar um índice de inflação. Temos utilizado o Índice Nacional de Preços ao Consumidor, do IBGE, mas poderíamos comparar os reajustes dados com qualquer outro indicador, seja o IPCA, seja o Índice de Preços ao Consumidor da 3º Idade IPC-3i.
O resultado é que houve o cumprimento estrito das regras constitucionais de reajuste, inclusive com ganhos reais para os aposentados acima do piso nacional. Ademais, a política de recuperação permanente do salário mínimo tem elevado seu valor acima da inflação. Assim, o valor dos demais benefícios diminui em número de salários mínimos, causando a ilusão matemática de perda de poder de compra entre os segurados. Mas isto nada tem a ver com o poder de compra das aposentadorias, que está mantido.
Mais ainda: os benefícios dos aposentados do INSS tiveram reajustes que superaram o crescimento dos salários dos trabalhadores do setor privado e, também, os dos funcionários públicos, conforme a RAIS (disponível até 2006). Enquanto o benefício médio subiu entre 1995 e 2006 em 322%, os funcionários públicos e os trabalhadores do setor privado tiveram aumentos de 268% e 161%, respectivamente. Isto é conseqüência da ampla proteção que a Constituição oferece aos aposentados contra as oscilações de custo de vida no país.
Por fim, a expansão do reajuste do salário mínimo aos demais benefícios pode inviabilizar a política de recuperação do mínimo, prejudicando os mais pobres. Atualmente, os 16,8 milhões de benefícios que equivalem a um salário mínimo correspondem a 66% da quantidade e 44% do valor desembolsado. Um terço dos segurados, os que ganham acima do mínimo, consomem 56% do valor mensal da folha do INSS e têm recebido reajuste igual ou mesmo superior à inflação. É este grupo, responsável por mais da metade das despesas da previdência, que a emenda ao PLC 42 beneficiaria.
A Previdência tem cumprido sua função e ajudado a reduzir a taxa de pobreza entre os idosos com idade de 60 anos ou mais. Enquanto esta é de 9,9% (conforme PNAD 2006), infelizmente a mesma taxa entre crianças até 10 anos é de 50,7%. Mesmo que tivéssemos recursos para aumentar os reajustes de aposentadorias, haveria grupos mais vulneráveis a serem priorizados. Os projetos em análise, além de insustentáveis na perspectiva fiscal e atuarial, não ajudam a reduzir a nossa desigualdade social.
Helmut Schwarzer é secretário de Políticas de Previdência Social do Ministério da Previdência Social.
Valor Econômico
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