sexta-feira, 16 de maio de 2008

Produtividade: A caça aos baixos salários

O que as empresas ocidentais fazem quando os operários da China começam a exigir melhores salários e condições de trabalho? Fácil -transferem a produção para um país mais barato. É a vez do Vietnã.

A China,a potência manufatureira do mundo, precisa de novos trabalhadores com baixos salários, e este é o motivo do homem de terno preto estar falando até ficar rouco. "Não demorem", ele diz às pessoas reunidas ao seu redor, pressionando sua boca contra o microfone. "Nós cuidaremos de tudo em minutos e vocês terão trabalho imediatamente."

O homem, cujo nome é Zhou Liang, trabalha para uma agência de empregos privada, que tem seu escritório em um terminal de ônibus em Shenzhen, o centro industrial no sul da China. Ônibus chegam constantemente ao terminal vindos de toda a China, trazendo uma nova oferta de trabalhadores migrantes jovens.

Mas Zhou, o agente de empregos, soa desesperado, como alguém tentando vender um produto que ninguém quer. Cartazes na parede anunciam os empregos mais mal remunerados do mundo. Uma grande quantidade de fábricas está à procura de trabalhadores, mas elas pagam apenas um salário mínimo mensal de 750 yuans, ou cerca de US$ 107, e isto para uma carga horária de oito horas por dia, cinco dias por semana. Mas trabalhando horas extras e fins de semana, anuncia Zhou, na esperança de interessados, os trabalhadores podem ganhar até duas vezes mais.

Ele conseguiu atrair 40 candidatos e pede para que façam três filas. Um deles é Zhong Xia, 20 anos, da província de Sichuan. A bagagem dela consiste de uma mala e um balde de plástico. O balde é para que possa lavar suas roupas no dormitório da fábrica onde provavelmente morará em breve, dividindo um quarto com várias outras mulheres.

A mulher recebe um emprego para montar componentes elétricos, incluindo cabos e plugues. É um começo, e melhor do que nada, ela diz rapidamente antes de seu grupo ser conduzido para uma fila de espera de microônibus que levarão os trabalhadores para as fábricas. Todo o processo é concebido para acontecer o mais rapidamente possível, para impedir os trabalhadores de mudar de idéia no último minuto. Atualmente, mão-de-obra se tornou um bem em falta na China.

Há uma escassez de 2 milhões de trabalhadores apenas no delta do Rio Pérola, a zona industrial da China adjacente a Hong Kong, onde empresas como Adidas e Mattel têm seus produtos fabricados. Os fabricantes de lá competem implacavelmente por mão-de-obra, disputando desesperadamente cada trabalhador. Esta luta marca um novo capítulo na história da globalização.

Por um longo tempo parecia que a China, com seus 1,3 bilhão de habitantes, oferecia ao mundo uma reserva inesgotável de mão-de-obra barata. Era a base da receita para o sucesso que o reformista Deng Xiaoping prescreveu ao país há 30 anos. Empresas estrangeiras terceirizariam a produção de bens simples para a China. E os comunistas lhes forneceriam os trabalhadores que precisassem.

Todos se beneficiaram com o arranjo. Cerca de 300 milhões de chineses foram retirados da miséria e a China se transformou na principal fornecedora para os países industrializados. Os consumidores no Ocidente ficaram satisfeitos por poderem comprar camisetas e tênis baratos.

Mas agora este sistema simbiótico não está funcionando tão bem quanto no passado. O boom econômico nas províncias mais pobres do oeste do país provocou a redução do afluxo de trabalhadores migrantes, à medida que muitos chineses preferem procurar emprego mais perto de casa. Isto, por sua vez, forçou as empresas a reverem completamente suas suposições.

Os custos estão subindo por toda parte. A escassez de mão-de-obra tornou a produção mais cara, à medida que os trabalhadores agora podem exigir salários mais altos. Uma lei trabalhista mais rígida, matérias-primas mais caras e a valorização do yuan chinês frente ao dólar também contribuíram para a alta dos custos. A inflação chegou recentemente a 8%. O papel da China como destino supremo de produção de baixo custo está rapidamente se tornando história.

Investidores alemães, antes atraídos pelos baixos custos do Extremo Oriente, começaram a perceber recentemente que as vantagens financeiras de terceirizar a produção para a China começaram a desaparecer.

"Conseguir lucro está ficando cada vez mais raro", relata o consultor Wilfried Krokowski, que é especializado em ajudar empresas alemãs a entrarem no mercado chinês.

Como resultado, regiões manufatureiras como o delta do Rio Pérola estão experimentando um verdadeiro êxodo. Segundo uma pesquisa da Câmara de Comércio dos Estados Unidos em Xangai, uma entre cinco empresas já está pensando em sair da China. Muitas estão levando suas fábricas para lugares onde os salários agora são mais baixos, como Vietnã, Bangladesh ou Índia.

Ou fecham completamente, como a Boji Company. Até recentemente, a Boji era uma das maiores produtoras mundiais de árvores de Natal artificiais, empregando 20 mil pessoas. Agora seu complexo de prédios em Shenzhen está abandonado e suas lojas de fábrica fechadas. "Nós queremos nosso dinheiro", fornecedores irados picharam nas paredes.

Apenas em dezembro e janeiro, mais de 1.000 empresas deixaram o delta do Rio Pérola. A maioria era de Taiwan ou da vizinha Hong Kong. Mas eram apenas a ponta do iceberg. Segundo Stanley Lau, o vice-chefe de uma federação de empresas de Hong Kong, 10% de até 70 mil empresas manufatureiras de pequeno e médio porte na área provavelmente fecharão as portas neste ano. Cerca de 4 mil empresas no setor de calçados, diz Lau, já fecharam.

O que é mais surpreendente neste êxodo é que ninguém na China está preocupado com a partida destes estabelecimentos escravizantes. Não há grandes protestos ou apelos desesperados por parte de políticos. Pelo contrário, a mudança é intencional.

Os planejadores da China sabem que seu país não tem futuro como produtor de baixo custo. Seguindo os passos do Japão e da Coréia do Sul, eles estão convertendo sua base industrial, na esperança de catapultar a indústria chinesa para o nível de alta tecnologia. É uma mudança que os estrategistas comunistas de Pequim estão promovendo tão energicamente como apenas ditaduras são capazes.

Pequim eliminou recentemente alguns incentivos para investidores estrangeiros, incluindo isenções de imposto de renda de pessoa jurídica e reduções de alíquotas para muitos bens exportados. Como resultado, se tornou quase impossível ter lucro com a exportação de certos produtos, como couro para calçados.

Ao mesmo tempo, Pequim busca promover a "harmonia" social que o líder do Partido Comunista e presidente, Hu Jintao, apregoa constantemente. É uma campanha que visa neutralizar a crescente insatisfação na República Popular. Os súditos de Pequim estão se tornando mais cientes de seus direitos e não estão mais dispostos a serem explorados.

Em intervalos de poucos dias, os operários da Clever Metal&Electroplating, em Shenzhen, param repentinamente de trabalhar. Vestindo uniformes azuis com números amarelos fixados neles, eles se sentam à beira da estrada, parecendo suficientemente inofensivos -quase como se estivessem fazendo um piquenique. Mas o clima é tenso.

Os trabalhadores dizem que estão esperando por seu salário há duas semanas. Eles especulam que os administradores da empresa estão ficando sem dinheiro, assim como eles gradualmente estão perdendo a paciência. "Eu pinto molduras de metal por até 12 horas por dia", se queixa um funcionário, "e a máscara fina que uso não impede o cheiro forte".

As condições ainda não melhoraram significativamente em muitas fábricas chinesas. Os empregadores pagam salários de fome, deixam de dar crédito pelas horas extras e arruinam a saúde de seus funcionários. Uma operária da Taiway, uma fornecedora para a indústria de material esportivo, descreve quão dura é a vida nos bastidores de uma fábrica chinesa.

Usando um dispositivo apenas ligeiramente maior do que uma escova de dente, ela passa até 10 horas por dia aplicando cola em solas de calçados. O cheiro é terrível e ela freqüentemente sofre de dores de cabeça. Apesar da empresa ter distribuído máscaras, diz a funcionária, elas são tão ineficazes que quase ninguém as usa -exceto quando os inspetores fazem visitas.

Toda noite ela cai exausta na cama. Ela compartilha um quarto com seis outras mulheres no dormitório de propriedade da empresa. Não há chuveiros para os funcionários, que precisam carregar água quente em baldes para se lavarem.

No passado, os chineses tolerariam em silêncio essas condições. Mas agora eles não estão mais dispostos a aceitá-las, e até mesmo podem esperar apoio do governo. A nova lei trabalhista, introduzida no início do ano, garante aos funcionários maior proteção contra demissão e maiores pagamentos rescisórios. Também aumenta os custos para as empresas, especialmente os produtores que pagam baixos salários.

A caravana passa
O administrador Huang Hanxin, 68 anos, está combatendo a nova onda de custos em todas as frentes. Ele dirige a Sha Wan Dian Ji, uma das maiores fabricantes de secadores de cabelo do mundo, que produz cerca de 7 milhões de unidades por ano. Os funcionários, a maioria mulheres jovens, montam os secadores que serão vendidos sob as marcas Revlon, Conair, Babyliss e Vidal Sassoon. Eles montam os corpos plásticos em uma taxa quase acrobática, com 70 mulheres montando 3 mil unidades por dia na linha de montagem.

A fábrica antes conseguia um lucro de 15%, mas atualmente este número caiu para entre 3% e 5%, diz Huang, acrescentando que a valorização do yuan frente ao dólar prejudicou seriamente a empresa. Além disso, diz Huang, leis de proteção ambiental mais rígidas aumentaram em 3% a 5% o custo da produção. A União Européia exigiu recentemente que os fabricantes reduzissem o conteúdo de substâncias perigosas como chumbo e cádmio em aparelhos eletrônicos. Isto, diz Huang, significa comprar materiais diferentes e mais caros.

Os compradores de bens importados da China estão descobrindo que seus preços saltaram consideravelmente, especialmente para itens comuns como vestuário e calçados. Grandes gerentes de compras de empresas manufatureiras e de comércio alemãs confirmam que o "made in China" não é mais sinônimo de "imbativelmente barato". Fontes na gigante alemã de vendas por catálogo, Otto, dizem que notaram "altas significativas de preços", especialmente para têxteis. A Kaufhof, uma grande loja de departamentos alemã, também está vendo aumentos constantes de preços para produtos feitos na China. Fontes nas empresas dizem estar "preocupadas" com a situação. De fato, a situação é motivo de preocupação para qualquer um que faça negócios com a China, especialmente empresas de pequeno e médio porte.

Os fornecedores chineses aumentaram preços em todas as categorias de produtos, diz Mario Moeschler, um executivo de marketing da Winora, uma fabricante de bicicletas com sede na cidade bávara de Schweinfurt, que diz que as altas nos preços foram entre 5% e 10%. "Nós fomos informados sobre os aumentos de preços", diz Moeschler, que recebe três a quatro cartas da China a cada semana.

A explicação para o aumento de preço é sempre a mesma, ele diz: o valor da fatura é maior, infelizmente, porque o aço e o alumínio se tornaram incrivelmente caros. Esses aumentos de preço são especialmente prejudiciais aos fabricantes de bicicletas, que obtêm muitas de suas peças, como quadros e garfos, da China.

É claro, os preços das matérias-primas subiram em todo o mundo. Mas o que está tornando os produtos da China muito mais caros agora é o enorme aumento nos custos trabalhistas. Um aumento anual de 10% ou mais nos salários agora se tornou regra.

Atualmente um engenheiro chinês ganha cerca de US$ 31 mil por ano, aproximadamente o dobro do que no início da década. Além disso, está se tornando cada vez mais difícil encontrar -e manter- esses trabalhadores qualificados.

Não causa surpresa que 94% das empresas alemãs com negócios na China esperem que os custos salariais continuaram subindo, como mostrou um levantamento da firma de consultoria administrativa PricewaterhouseCoopers (PwC) e da Associação Federal de Administração, Compra e Logística de Materiais. Segundo o estudo, a economia média em preço com produtos chineses atualmente é de apenas cerca de 10%. As empresas dizem que não é incomum para elas até terem prejuízo.

"À medida que aumenta o padrão de qualidade e o nível de automação, e as limitações de tempo se tornam mais restritivas, terceirizar produtos na China está se tornando cada vez menos atrativo, do ponto de vista do preço", diz Klaus Schulten, especialista da PwC.

Os importadores começaram a procurar por alternativas há muito tempo. "Leste Europeu e Índia", conclui o estudo da PwC, "se tornarão substancialmente mais importantes como mercados de fornecimento a médio prazo". Parece que a caravana está seguindo em frente.

Um empregador modelo

E a indústria de calçados estabeleceu o tom. Centenas de empresas já tiveram que fechar suas fábricas na província de Guangdong, na China. Ao mesmo tempo, centenas lançaram novas operações em países como Índia, Bangladesh, Indonésia, Vietnã e Camboja. Ironicamente, a indústria de calçados alemã às vezes se depara com velhos conhecidos lá: freqüentemente são os chineses que desenvolvem fábricas nestes países.

Thomas Schneider, 52 anos, também se estabeleceu no Vietnã, a terra prometida da indústria internacional de calçados, onde a maioria dos seus clientes -marcas globais, de Adidas a Timberland- estão cada vez mais tendo seus calçados fabricados. Schneider pesquisou inúmeros parques industriais antes de encontrar uma área próxima de Ho Chi Minh, antes conhecida como Saigon. A partir de agosto de 2009, 200 operários começarão a curtir couro para Schneider na nova instalação.

Schneider, que aprendeu a atividade de curtimento em Reutlingen, perto de Stuttgart, quase estabeleceu raízes na China. Ele desenvolveu um curtume em Taiwan e, no início dos anos 90, seguiu a indústria do couro para a China, o mais recente paraíso de baixos salários da época.

Ele agora opera um dos maiores curtumes da China em Guangdong, onde sua empresa, a ISA Tan Tec, desenvolveu sistemas de produção bons para o meio ambiente e fornece segurança e saúde ocupacional exemplares, revolucionando assim uma indústria notoriamente poluidora e insegura.

Mas agora sua fábrica modelo enfrenta dificuldades. No ano passado, o governo em Pequim removeu as isenções de impostos para bens exportados como couro. Desde abril, a ISA Tan Tec começou a pagar perto de 18% do preço de venda em impostos para fornecer para fábricas de calçado do exterior. No passado, a sobretaxa era de pouco mais de 2%.

Aumentos gerais de preços -devido aos salários mais altos, taxa recorde de inflação de mais de 8% e a valorização do yuan- também complicaram as coisas. Mas a pior coisa na China, diz Schneider, é a incerteza, porque as autoridades em Pequim planejam as isenções de impostos ano a ano. Isto impossibilita para qualquer empresa planejar de forma confiável para o futuro.

Devido aos altos custos, Schneider já reduziu sua força de trabalho em Guangdong de 1.000 para 800 funcionários. Até que a fábrica planejada no Vietnã esteja pronta para entrar em operação, ele já conta com couro produzido no Vietnã por outro curtume. Afinal, seus clientes não esperarão por ele.

Schneider também planeja seu novo endereço perto de Ho Chi Minh como uma fábrica modelo. Apesar de ser obrigado a pagar aos trabalhadores no Vietnã apenas metade do que paga aos trabalhadores na China -cerca de US$ 65 por mês- as exigências rígidas das empresas de calçados em relação à proteção ambiental e segurança se aplicam igualmente ali. Schneider não têm restrições em atender, porque seus métodos de produção bons para o meio ambiente são na verdade seu trunfo mais forte na luta contra sua concorrência.

Ele até mesmo planeja reduzir a temperatura em sua fábrica usando uma bomba de calor. Além de reduzir as emissões de CO2, essas técnicas também permitem a Schneider reduzir seus custos de eletricidade. Os preços também estão subindo no Vietnã, onde a inflação está próxima de 20%. Durante uma visita de levantamento, Schneider ouviu histórias de outros chefes sobre quão dura é a disputa por pessoal qualificado. Após o Tet, o Ano Novo vietnamita, milhares de vietnamitas não voltaram aos seus empregos -eles os trocaram por empresas que pagam mais.

Mas Schneider não tem escolha. A próxima etapa do jogo se passa no Vietnã -pelo menos até que seus clientes na indústria de calçados decidam que é hora de se mudar para o próximo país de salário baixo.

UOL/Der Spiegel/Alexander Jung e Wieland Wagner

Um comentário:

marcelo osakabe disse...

professor claudio,

você pode postar alguns sites, blogs, etc de economia que você acessa? Nomes de economistas, professores de economia, pesquisadores e outros "entendidos" também ajudariam na busca de informação pela rede.

Obrigado,

Marcelo Osakabe - Grupo Brasil