quinta-feira, 19 de junho de 2008

O jornalismo como ele é

Em palestra a estudantes da ECA-USP, Bernardo Kucinski revela o lado prático da profissão.

Por Juliana Varella Reginato, nº USP5402522


O curso de Fundamentos da Economia teve sua última aula na quinta-feira, dia 12 de Junho. Convidado a expor uma palestra ao grupo, o professor recém-aposentado Bernardo Kucinski surpreendeu os estudantes de jornalismo com cerca de duas horas de conselhos práticos sobre o dia-a-dia da profissão.

O primeiro ponto abordado foi o ensino. O ex-professor criticou a falta de uma teoria de jornalismo genuinamente brasileira, e explicou que os modelos usados são geralmente de outros países, onde a realidade da profissão é bem diferente. Isso, frisou, contribui para o desencanto dos jovens, que saem das faculdades com uma noção irreal do trabalho, e encontram um ambiente conservador, que valoriza o jornalista mecânico, cumpridor de tarefas. “Aqui, é preciso conquistar o direito de assinar, de ter idéias”.

A economia, como esperado, também foi alvo de comentários, curtos porém esclarecedores, do especialista. Ele classificou o Brasil como “terreno de engorda” dos capitais estrangeiros, já que aqui se aplicam investimentos, mas não se fixa a renda. Concluiu que, se tanto os capitais quanto os centros de decisão das grandes empresas não estão no país, a economia brasileira permanece altamente dependente. Em seguida, destacou a desigualdade econômica interna do país, que se reflete no jornalismo, com jornais feitos por uma elite que só consegue falar às elites. Também foi pautada a influência negativa dos grandes bancos sobre os jornais diários, que acostumaram-se a omitir informações importantes à população, por serem indesejadas e possivelmente prejudiciais a eles.

Num momento mais otimista, o ex-professor esforçou-se em traçar um panorama das possibilidades para o jovem jornalista. Alertou que, nos grandes jornais, tem crescido o autoritarismo e decrescido a qualidade, com páginas recheadas de pautas previsíveis e textos superficiais. Lembrando que o jornalista de campo não é tão responsável por essa falha quanto a linha editorial, que o molda. A boa notícia é que as pequenas revistas, especializadas ou alternativas, estão seguindo o caminho contrário, crescendo e caprichando no conteúdo. Começar nesses espaços, aconselha Kucinski, pode ser muito mais gratificante do que na grande mídia. Isso porque, em geral, as revistas de menor porte tendem a dar mais espaço ao jornalista, e mais liberdade para que ele tenha opinião. Assim, com a possibilidade de errar e responder pelos próprios erros, fica muito mais fácil aprender e evoluir.

Diante de um cenário tão limitado, os alunos começaram a se perguntar se haveria uma saída, à qual respondeu o convidado com uma lista de conselhos. “Para sobreviver no mercado, primeiramente, seja muito bom.” A frase, aparentemente óbvia, despertou expressões de dúvida nos ouvintes, atentos. O palestrante prosseguiu, explicando que o jornalismo brasileiro tem perdido muita qualidade pela ausência de certas atitudes. Uma delas, continuou, é aproveitar as oportunidades de aprendizado. Deixar de lado a matéria superficial e empenhar-se em estudar realmente o assunto tratado, pois aquele conhecimento poderá ser útil na vida pessoal ou profissional. Outra atitude imprescindível, segundo ele, é sentir. Maravilhar-se e indignar-se com a mesma intensidade, tornando a profissão mais prazerosa e o resultado muito mais rico.

O ex-professor pincelou ainda outros conselhos preciosos aos aspirantes a jornalistas. Comentou a importância de ser ‘correto’ com as fontes e com os leitores, evitando o seu afastamento e facilitando a obtenção de futuros depoimentos. Afinal, a desconfiança causada por palavras distorcidas e conversas gravadas sem aviso mancham a imagem do jornal e do jornalista, até mesmo como pessoa.

Entre discursos e conversas, o palestrante revelou experiências pessoais, das quais aprendeu algumas das lições que agora repassava aos alunos. Uma delas, a de jamais criticar um colega de trabalho. Discordar do editor pode ser, muitas vezes, um erro irreparável. “Para evitar situações como essa, o melhor é tomar todo o cuidado antes de entregar uma matéria.” Com isso, explica, evita-se que o superior faça muitas alterações no texto. Se, ainda assim, elas forem feitas, ele sugere que não se discuta.

Os últimos momentos da aula foram marcados por discussões mais fervilhantes, como sobre a lei de imprensa e a internet. Ao primeiro tema, o ex-professor respondeu com uma crítica aos jornalistas. “Temos muito privilégio, mas é preciso ser mais responsável (com os direitos alheios, como o de imagem)”. Sobre a internet, Kucinski aposta na permanência do jornalismo impresso, mas defende a versão online como uma nova satisfação para quem escreve. “Antes, o jornalista só interagia com o editor; agora o leitor está muito mais próximo”. Não se sabe ao certo como as novas ferramentas serão incorporadas pelo jornalismo, nem como será o mercado quando esses alunos saírem das salas de aula. O futuro, de fato, assusta e intriga. Mas um toque de experiência pode tornar o processo da descoberta, no mínimo, menos doloroso.

Nenhum comentário: