Em palestra, Bernardo Kucinski fala aos alunos sobre os vícios do jornalismo brasileiro
Marcelo Osakabe - nº USP 5904511
Para quem esperava uma palestra sobre jornalismo econômico, uma surpresa. Bernardo Kucinski, professor recém aposentado do CJE, passou as quase duas horas de aula discorrendo sobre as características do modo brasileiro de fazer jornalismo.
Num tom um tanto amargo (mas não decepcionado), ele nos contou a sua experiência tanto como profissional da área como de professor, bem como suas perspectivas e apostas para questões do campo hoje e no futuro, entremeadas de alguns conselhos para os ingressantes no mercado de trabalho.
Ele começou nos apontando para a necessidade de se criar uma teoria do jornalismo que condissesse com as características do nosso país, uma “Teoria do jornalismo em sistemas autoritários”. Essa teoria substituiria os modelos europeu e americano, utilizados atualmente, mas que pouco têm a ver com nossa realidade.
Kucinski trabalhou tanto na imprensa nacional como na estrangeira. “Lá eles o querem pelo que você é. Aqui, eles precisam de você para realizar uma tarefa”. A diferença, para o ex-professor, fica claro quando chega a hora de assinar uma reportagem. No exterior, qualquer reportagem vem assinada. Aqui, é necessário batalhar muito para pôr seu nome numa matéria. E isso aconteceria somente após o que ele chamou de “processo de domesticação”, em que a um jornalista só é permitido assinar depois de mostrar que não vai contra os posicionamentos da casa.
Essa espécie de autocensura embutida a força faz com que o jornalista brasileiro guarde algumas coisas para si, apesar de a sua função social seja revelar, algo contraditório e que simplesmente não existe lá fora. A verdadeira história só é revelada depois, naquela conversa depois do expediente. O que sai na matéria é apenas uma ficção sobre o real, incompleta.
O ex-professor criticou severamente o noticiário financeiro, dizendo que é escrito de elite para elite e que profissionais da área se escondem atrás do “economês” para não demonstrar a sua incompreensão do assunto. Explicou ainda como o jornalismo econômico é pautado pelo capital financeiro há anos e como se tornou extremamente viciado, entrevistando sempre o mesmo grupo de “entendidos”, que também fazem parte do jogo e que defendem interesses.
Deu como exemplo a recusa dos grandes jornais em tratar a recente aceleração da inflação como provocada por um aumento dos custos e não da pressão da demanda. Essa omissão deliberada vai de encontro com o desejo do sistema bancário, que, com os juros cada vez mais baixos, temia ter que mudar a matriz de negócios que o norteou durante anos no país, a saber, lucrar quase que exclusivamente financiando a dívida pública brasileira, que rendia os “juros mais altos do planeta”, em vez da produção.
Kucinski ainda disse que a tendência dos jornalões é ficarem cada vez mais autoritários, mas que diversos veículos novos estão surgindo, publicações que não são usados como instrumento ideológico e que por isso permitem que os jornalistas tenham mais liberdade na hora de escrever e assinar matérias.
Daí em diante, passou a responder perguntas e dar conselhos aos alunos. Disse que precisávamos, antes de tudo, ser muito bons: aprofundar nos temas novos, descobrir fontes, conciliar sucesso pessoal e conduta ética. Emendou conselhos como “nunca criticar um colega de trabalho ou discutir com o editor” com outros mais espantosos do tipo “Se você não acontece logo na escola, não acontece nunca mais”. Falou da importância de se participar de uma “panelinha” e que o jornalista deve adotar uma ética defensiva (ser dono dos próprios instrumentos) para com os jornais.
Questionado sobre Lei de Imprensa (ou a sua supressão), explicou que a grande diferença entre ela e o código civil é que a primeira trata dos erros no caso específico do jornalismo, que ocorrem de um modo proporcionalmente diferente. “A calúnia pode ser justamente absolvida caso se dê o direito de resposta em igual condição”. Por fim, afirmou que a interface entre jornalismo e ONGs é muito interessante (mas duvida que esse jornalismo engajado vai algum chegar a tocar em questões estruturais) e lamentou o esvaziamento das redações, antes espaço de troca e aprendizado.
quinta-feira, 19 de junho de 2008
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