quinta-feira, 19 de junho de 2008

Jornalismo econômico é propaganda ideológica?

Camila Souza Ramos

Nº USP 59003354



A cobertura jornalística brasileira sobre a atual volta da inflação é uma mostra clara da função ideológica que o jornalismo econômico cumpre em nosso país. Segundo o jornalista Bernardo Kucinski, que lecionou aulas de Jornalismo Econômico na Escola de Comunicações e Artes (ECA) até o ano passado, estão sendo escamoteadas informações cruciais sobre esta crise.

“Uma inflação pode ser de custos ou de demanda”, explica Kucinski durante palestra na ECA. A atual inflação, segundo ele, é de custos, porque o que está condicionando a alta dos preços é o aumento do custo das matérias-primas. “Isso representa um confisco do dinheiro do povo”, afirma o ex-professor. “Logo, não se pode tomar outras medidas de confisco, porque esta inflação já está contendo a demanda”, acrescenta. A lógica, portanto, de defender a elevação dos juros como forma de conter a inflação é um remédio para outro tipo de inflação, a de alta de demanda, mas não para esta. Segundo Kucinski, há dois tipos de inflação, com dois tipos de remédio totalmente diferentes. “Mas não se discute isso no jornalismo”, pontua o jornalista.

Para ele, esta omissão na cobertura é intencional e serve aos interesses dos bancos. O grande problema, segundo Kucinski, é a forma como é produzida a notícia da área econômica. “Há uma promiscuidade grande entre jornalistas e fontes, que geralmente são apenas pessoas ligadas a consultorias financeiras ou ex-presidentes do Banco Central”. Tendo em mãos sempre as mesmas fontes, a produção de conteúdo torna-se viciada e análises mais profundas sobre o vai-e-vem da economia são dificultadas.

Byline e dependência

A univocidade do jornalismo econômico praticado no Brasil tem também outras causas. Segundo o ex-professor, nesta área “luta-se muito para conseguir o byline”, que é o direito do jornalista de assinar sua matéria. Para conseguir o byline, afirma Kucinski, “o jornalista deve se alinhar ao jornal”. E, uma vez que os grandes jornais têm o mesmo alinhamento político, o jornalista se vê se opção para atuar fora da voz dominante.

Para manter-se no mercado de trabalho, hoje altamente competitivo, o profissional não apenas submete-se a constantes interferências dos editores nas matérias produzidas, como acaba incorporando os mecanismos de censura de seus chefes no próprio ato de apurar e escrever sua matéria. “O jornalista não conta tudo o que sabe. A censura está introjetada e faz parte do ethos dele”, lamenta o ex-professor.

“Esta característica é típica de sistemas autoritários”, afirma o jornalista. Em sua visão, o jornalismo brasileiro opera com uma ideologia importada, a do neoliberalismo, assim como foi o modelo de democracia que seguimos. Segundo Kucinski, esta postura é adotada por todas as redações porque “há um domínio do capital financeiro sobre o jornalismo econômico”. Ele ainda ressalta o peso que o capital externo exerce sobre a economia, e, desta forma, também sobre o que é veiculado sobre ela. “Somos uma espécie de ‘terreno de engorda’ do capital estrangeiro (...), o que torna a economia mais dependente ainda”.

Otimismo

Sua visão sobre o futuro, no entanto, não é tão pessimista. “Está havendo um notável florescimento de outras imprensas escritas”, diz Kucinski, “e me parece que há um revigoramento da imprensa alternativa”. Para ele, somente fora das grandes redações é possível o jornalista desenvolver um trabalho mais livre, sem se prender às mesmas fontes ou limitar a informação a ser veiculada. Ele diz acreditar que a internet possa ser um espaço mais democrático e uma possibilidade de “mostrar que sua voz ainda é diferente”.

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